sexta-feira, 31 de julho de 2009

Monstrinhos

Ontem foi meu ultimo dia de trabalho com os bebês que estava tomando conta por 3 meses. Um vai para a creche, o outro encontrou uma outra baba e eu volto pro mestrado em setembro/outubro. Essa ultima semana foi particularmente dificil porque tomei conta de três: um bebê de 5 meses, um de 7 meses e o irmão de um deles, de 2 anos e meio. E descobri que dois anos e meio é uma idade dificil.
Olha, o garoto não parava de perguntar. Perguntava tudo e repetidamente, mesmo se a gente desse uma resposta razoavel. Por que? Por que? Mas por que? Acho que ainda posso ouvir a vozinha dele me perseguindo pela casa. Ele ainda tinha um agravante: estava na fase entre as fraldas e o abandono das fraldas. Dai ao mesmo tempo ele teve uma pequena fase de regressão (os pais adoram falar em fases, ja repararam?) vendo os bebês e queria fazer tudo como eles. Resultado, xixi nas calças, pelo menos uma vez por dia. Depois eu fazia ele limpar (simbolicamente), ele dizia "c'est très dur, c'est Amanda qui fait", ha-ha! Eu não fiz nenhum xixi nas calças, então limpa.
Os bebês são tão mais faceis de cuidar! Eles ficam ali paradinhos, adoraveis, risonhos e rosados e te dão sinais quando estão estão com fome ou sono. Você brinca com eles, faz gracinhas, se esconde atras da almofada e eles morrem de rir. Tão simples! Ta, cuidar desses seres adoraveis à noite, eu não sei como é pois enquanto eles choram as 3h da manhã eu estou em sono profundo na minha casinha.
Essas criaturinhas de 2 anos e meio são bem mais complicadas. A começar pela linguagem. Sera que dava pra alguém traduzir o que eles falam? Criancinhas brasileiras eu até entendo, mas quando elas falam um rascunho de francês fica dificil! A maioria das coisas eu acabava entendendo, porque, diga-se de passagem, ele insistia. Outras vezes eu disfarçava e mudava de assunto, enrolando ele com outra coisa.
O mais engraçado é como eles não tem noção de nada mesmo. A mãe dele perguntou:
- Você lembra onde a gente vai hoje à tarde?
- A gente vai entrar no carro, ir até o barco, colocar o carro dentro do barco e entrar no carro de novo.
- Não filho, isso a gente vai fazer semana que vem, nas férias. Hoje a gente vai no pediatra.
-Ah é, oba!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Contadores de historias

Existe um abismo entre a qualidade do jornalismo no Brasil e na França. Pra começar, é muito dificil ser jornalista na França. Não existe um curso de graduação, qualquer pessoa com um curso superior pode tentar seguir a profissão. Tentar... Mas conseguir é bem dificil. Conheço varias pessoas que não passaram. Para se ter mais chances, ha as escolas de jornalismo, so que elas são super caras (Sarkozy esta conseguindo elitizar a educação) e muito dificeis de entrar também. Uma amiga disse que desistiu de tentar, porque além do preço, o candidato tem que estar hiper bem preparado, saber de TUDO o que acontece no mundo. Alguma semelhança com o Brasil? Não, nenhuma.

Os cursos de jornalismo no Brasil pipocam em cada esquina. O meu, que dos particulares é um dos melhorezinhos, foi uma tremenda porcaria pra quem quer ser jornalista na pratica. Sim, aprendi muito sobre a teoria da comunicação, sobre as técnicas de escritura, sobre as cinco perguntas basicas, sobre a sociedade do espetaculo, sobre os fenômenos de massa. A gente aprendeu bem como dizer, mas nada sobre o que dizer. Somos tecnicos de comunicação. Vai pedir pros estudantes apontarem Nova York no mapa, nem metade acerta.

E dizer que tem gente que ainda ficou revoltada com a não-obrigatoriedade do diploma aprovada nesse ano no Brasil.

O resultado disso tudo? Jornais de baixa qualidade, matérias superficiais, e titulos inacreditaveis. Matéria destacada do Globo online de maio: "Bebê leva 20 mordidas na cheche" e continuava: "O agressor, apenas 2 anos...". So uma pergunta: COMO ASSIM? Desde quando crianças mordidas na escola é noticia? Sera que num mundo tão grande, nada mais interessante acontecia? O mais incrivel eram os 100 comentarios de leitores revoltados e um deles disse que 'deviam eliminar fisicamente o agressor'. Ah ta. Cada povo tem o jornalismo que merece, é isso?

Na França o jornalismo é bem mais sério. A maioria das matérias são profundas e explicam o conflito, não te jogam o basico 'duas pessoas morreram e três ficaram feridas num ataque terrorista na capital do Iraque no final da tarde de ontem'. Blablabla. Cadê o contexto? Aqui na França eles explicam a situação, o porquê, o que levou àquilo. Aqui as pessoas conhecem politica internacional, sabem o que acontece no mundo. Se o povo brasileiro não tem interesse, talvez seja porque o jornalismo não tenta explicar nada na linguagem dele. Se quando o cara tenta fazer algum esforço e da de cara com um texto que não entende nada, desiste facil. Sou a favor de um jornalismo de forma mais simples e de conteudo mais aprofundado. Tipo, explicar por cara de forma tão facil de ler, que ele vai acabar entendendo sem ter que se esforçar muito. Afinal de contas, tudo o que acontece por ai, seja um bebê mordido ou a crise nuclear, é são historias a serem contadas. Pra que complicar a narração?

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Top 10 – Esquisitices coletivas

10- Comer pão com chocolate

Muitas vezes o lanche da tarde das criancas é um pedaço de baguette com uma barrinha de chocolate no meio. Tipo, chocolate de verdade, nem é Nutela não. As vezes é até o meio amargo, que aqui eles chamam de noir (preto e o nosso preto eles chamam de au lait), que é melhor pra saude. Pão e chocolate devem ser as coisas que eu mais gosto de comer no mundo! Mas juntas? Eca! Digo o mesmo de croissant de chocolate e afins.

9- Livros no metrô

Esse é um fenômeno que adoro! Quando estou no metrô e olho ao redor, todo mundo esta lendo um livro, é impressionante. E quem esta sem, aproveita pra dar uma olhada na leitura ao lado. Eh um grande estimulante, da a maior vontade de ler também. Quando os trens estão muito lotados, os livros desaparecem, pois é meio desconfortavel lutar por um pedaco de espaco pro seu livro, a nao ser que voce esteja no final e valha a pena ficar com o braço e o pescoço virados pra cima. Quando a leitura é boa, não tem jeito: ja vi gente andando entre os corredores do metrô pra fazer a baldeação, subindo e descendo escadas, sem tirar os olhos do papel.

8- Tomar banho sentado

Sei que não é todo lugar que é assim, so os apartamentos mais velhos. O fato é que tem dois anos e meio que eu tomo banho sentada! E mais: segurando o chuveirinho em cima da cabeça! Muitos apês nao tem chuveiros, so banheiras, e como um banho de banheira não é pratido no dia-a-dia, eu acabo improvisando um chuveiro meio desajeitado. E como não ha possibilidade de por uma cortina, tem que sentar mesmo, a não ser que depois eu queira secar o banheiro inteiro. Aqui existem verbos diferentes para tomar banho de chuveiro ou de banheira. Por isso o cheri quando estava aprendendo português sempre dizia que estava indo tomar uma chuva.

7- Pegar sol no parque

Sol, daqueles quentes mesmo, é coisa rara em Paris. Então quando ele resolve dar as caras as pessoas nem pensam no ridiculo e querem mais é aproveitar sua presença antes que ela va embora. Como aqui não tem praia, os parques ficam cheios de gente de roupa de banho, as mulheres até fazem topless pra pegar sol. Tipo, no meio de Paris! E isso quando não levantam a calça jeans até o joelho e a blusa até o peito, pra tentar bronzear parcialmente o corpo, o que eu acho até pior do que assumir um biquininho no parque. Sei la, pra quem vem de uma cidade litorânea isso é muito estranho. Apesar de que se no meu primeiro verão eu quase ria de quem fazia isso e no segundo eu olhava com desconfiança, agora no terceiro ja tô até pensando em fazer o mesmo, ja que não vou ter férias esse ano!

6- Comer frutas de maneira estranha
As frutas aqui na França são maravilhosas! Merecem um post so delas. Mas os franceses tem uns habitos estranhos na maneira de comê-las, principalmente as tropicais. Por exemplo, eles comem maracuja de colher! E sem açucar! Nossa, é azedo demais, não da. Uma vez fiz um suco pra Clara e ela amou a novidade. Alias, liquidificador é um eletrodoméstico pouquissimo usado por aqui. Uma vez fiz caipirinhas para uns amigos e no fim todos eles começaram a chupar o limão. Achei muito engraçado. Eles disseram que seria disperdicio deixar o resto de limão la no fundo do copo. Outra coisa estranha é que eles comem abacate com sal e azeite. Ou em saladas e até sushi! Bom, mas ai eu acho que os esquisitos somos nos, pois em quase todo o resto do mundo o abacate é comido salgado e não doce.

5- Andar de patinete

Eh comum por aqui (pelo menos no 12ème) ver adultos indo trabalhar de patinete. Realmente é bem pratico se o trabalho for perto de casa. Acho que diminui em três vezes o tempo de chegar a pé e ainda evita ter que pegar os transportes coletivos. Pra quem é ruim de bike como eu, é o ideal, ja que com patinete se pode andar na calçada. Tai, vou pensar em comprar um. Em dia de greve de metrô então, é um festival de patinetes, patins e bicicletas. Sempre vejo pais e mães levando seus filhos pra escola, cada um com seu patinete. Mas que é engracado é, ver aqueles engravatados e aquelas mulheres de negocios em cima de um brinquedinho que na minha cabeça, é para as criancas de divertirem.

4- All star
Nunca vi tanto all star na vida como em Paris. Acho que é tipo a Havaiana deles. Todo mundo usa, principalmente os mais descolados. Alias, eu não vejo muitos saltos altos por aqui, bem menos que no Brasil. All Star é fashion e é unanimidade. Uma vez quando fui trabalhar eu estava usando um, o pai das crianças estava usando um, o garoto de 3 anos calçava um também e o bebê de 6 meses também estava com um par. O modelo mais comum é o cano médio. Na minha ida ao Brasil fiz questão de providenciar um par, ja que aqui é bem mais caro.

3- A falta de numeros nos apartamentos
Em Paris os apartamentos não tem numeros. Quando dou meu endereço, tenho que falar ‘sexto andar, porta do meio’. Ja viu maluquice maior que essa? A consequência mais chata são as correspondências, que são entregues de acordo com o sobrenome, não com o apartamento. A sindica (porque porteiro na Franca é um conceito inexistente devido a maior igualdade social) recebe as cartas e tem que ficar procurando os nomes nas caixas de correios pra saber onde colocar. Tão pouco pratico! Por isso se a pessoa não escrever o sobrenome da outra, a carta simplesmente não vai chegar. Eu sempre escrevia cartas para os amigos e sempre colocava em vez dos nomes, os apelidos. Aqui não rola. E mandar uma carta para uma pessoa que não mora no endereco requer medidas especiais. Tem que escrever o nome da pessoa e depois escrever ‘chez fulano de tal’ (casa do fulano de tal), que é pra indicar onde colocar a correspondência.

2- Vergonha de ser rico

Ao contrario do Brasil, aqui as pessoas não gostam muito de admitir que ganham mais dinheiro que as outras. Morar em um bairro mais chique muitas vezes significa ter que justificar porque você mora la, tipo, ‘achei um aluguel bem barato, que sorte!’. Uma vez fui fazer uma pesquisa em Macaé, no Rio, e tinha que saber quanto uns empresarios ganhavam. Achei que fosse dificil os caras falarem, porque era muito dinheiro e mais importante, as pessoas que trabalhavam pra eles ganhavam uma miséria. Que nada, eles falaram orgulhosos dos seus lucros, se gabando de cada centavo. Aqui na França seria uma vergonha tremenda ganhar tanto dinheiro e, pior ainda, não repassar para os empregados. Bom, tô falando da classe média, porque os ricos devem morar num mundo a parte no qual eu não tenho acesso. Apesar de, para mim, isso ser uma coisa positiva, não deixa de ser uma esquisitice pros brasileiros, tão acostumados com a ostentação.

1- Preocupação com a aposentadoria
Tenho a impressão de que os franceses vivem para se aposentar. O cheri viajou pelo mundo durante 6 anos e uma pequena parte dessa viagem estavamos juntos. Toda vez que encontravamos um francês e o cheri dizia que estava fora da França ha anos, eles SEMPRE perguntavam, assustados: ‘mas e a sua aposentadoria?’.Acho que essa seria a ultima pergunta que eu faria. Nunca liguei pra isso, sempre preferi viver minha vida no presente. Isso não quer dizer que a gente saia por ai gastando, ao contrario, não somos nem um pouco consumistas. Mas dai a entrar na paranoia de quanto mais cedo se arranjar um trabalho decente, mais cedo vai se aposentar, mais dinheiro vai se ganhar e ai sim, poder começar a aproveitar a vida, ah, pra mim essa não cola. O governo francês chegou a conclusão de que não vai dar pra sustentar tantos velhinhos e foi anunciado um plano de extensão dos anos trabalhados, que na França ja é bem maior que no Brasil. Os franceses so faltam morrer de odio! Imagina trabalhar pra se aposentar e dai descobrir que, ops, vai ter que trabalhar mais alguns anos.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O fantastico mundo dos blogs

Eu descobri os blogs um pouco tarde, so no ano passado, quando comecei a escrever o meu. Quer dizer, eu ja sabia que eles existiam, mas achava que não tinham nada demais, que eram tipo diarios abertos de vidas desinteressantes. Os blogs famosos so confirmavam esse meu pensamento preconceituoso, vide bruna surfistinha.

So que depois que criei o meu, descobri o universo dos blogs legais. E olha, existem muitos! Dai viciei. Fiquei tão empolgada com a minha descoberta que até tentei inventar uma palavra pra descrever essa sensação, mas não achei. Um dia estava falando com meu amigo Luis e disse: ‘Os blogs são incriveis, eles estão tipo, num mundo a parte’, dai ele respondeu ‘Eh, a blogsfera’. Olha isso, ja tinham inventado a palavra que eu estava procurando! E apesar de te-la ouvido varias vezes antes, aquela foi a primeira vez que ela fez sentido pra mim.

Um dia fui parar no blog da Lola, que é o que eu passo mais tempo lendo. Primeiro porque ela escreve super bem, de verdade mesmo, depois porque eu tenho a mesma visão das coisas do que ela, às vezes fico até assustada. E finalmente, porque ela escreve todo santo dia! As vezes duas vezes! Nada melhor para acompanhar blogs do que atualizações!

Então ela lançou um concurso de blogueiras sobre o tema feminismo e eu estou concorrendo com aquele post sobre a burca. Além do meu, tem mais 16 posts e eles são muito bons! Então se vocês quiserem conhecer blogs legais, que é a real intenção do concurso, passem por la. E votem! Desde que seja em mim, é claro. Brincadeira viu gente, votem em quem vocês quiserem. Li todos e adorei.

p.s. – outra coisa que descobri nessa blogsfera: blogueiros adoram comentarios! ;)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Je m'appelle...

Os brasileiros estão acostumados com os Nick, Amy, Joey, Carrie, Kevin dos filmes de Hollywood. A gente conhece bem os nomes anglofonos. Mas com certeza não estamos habituados com os nomes franceses. Normalmente achamos que todas as francesas se chamam Françoise e todos os franceses, Jean-Pierre (não é, dona Leila?). Mas desafio a encontrar alguém com esses nomes que não tenha vivido a segunda guerra mundial. Ta, um pouco de exagero, mas um otimo teste é esse site que encontrei, ele tem todas as estatisticas dos nomes na França. Naquela segunda coluna, é so colocar um nome (em francês é prenom) que ele vai te dar ano por ano, quantas crianças foram registradas com tal nome. Façam o teste do Jean-Pierre e da Françoise!

Algumas crianças que tomei conta tem nomes estranhos para nos brasileiros. Um bebê com nome de Inês (em francês se escreve Inès)? Augustin? Mas são super tendência na França! Inès então, mais na moda impossivel. Façam o teste no site. Outras crianças que tomei conta foram Sacha (menino), Siloha, Nell, Corentin, Rafaël. Os nomes mais populares de 2006 na França foram:

Meninas: Emma, Léa, Clara, Manon, Chloé, Camille, Inès, Sarah, Jade, Lucie
Meninos: Enzo, Lucas, Mathis, Tomas, Théo, Hugo, Nathan, Tom, Clement, Maxime

Amanda não tem muitas, mas tem uma variação mais popular: Amandine. Acho fofo. O cheri, apesar de ser mais conhecido como Jean-Pierre, ou JP pelos amigos brasileiros, se chama Aurélien (pronuncia-se Orrelian). Apesar de não usual pra gente, o nome dele é comum por aqui e muito na moda a partir dos anos 80. A versão feminina então, acho que de cada duas garotas de 28 anos, três de chamam Aurélie. Os nomes mais populares da nossa geração (1981):

Meninas: Céline, Emilie, Aurélie, Virginie, Stephanie, Laetitia (pronuncia-se Leticia), Marie, Sabrina, Audrey, Sandrine
Meninos: Nicolas, Sébastien, Julien, David, Christophe, Cédric, Jérome, Guillaume, Olivier

Alguns amigos franceses: Candice, Cyril, Gregory, Zoé, Mathilde, Aurore, Johan.

Pronto, agora vocês podem abandonar essa mania de Jean-Pierre! Não tem mais desculpa!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Quando os pobres votam extrema direita

Os franceses gostam de politica. Acho que na verdade é o assunto preferido deles, em qualquer nivel social. E aqui a esquerda e a direita estão bem divididas e pertencer à um grupo ou outro é uma questão de logica. Ou pelo menos era. Os mais ricos votam direita porque querem abrir o pais ao capitalismo, à competição de mercado, para terem mais lucro pessoal. Os mais pobres votam esquerda para lutar contra um modelo opressor que so beneficia a elite. So que nos ultimos tempos, cidades pobres tradicionalmente comunistas passaram a ser grandes eleitores da extrema direita. Assim, de um extremo ao outro sem passar pelo meio termo.


O mapa acima mostra o salario médio por pessoa na região parisiense. Quanto mais vermelho, mais ricos. A gente percebe bem onde estão os afortunados: no sudoeste de Paris e um pouco no sudeste. Os pobres estão concentrados no norte, em cidades como Saint-Denis, Bobiny, Bangnolet. Agora olhem para esse outro mapa:

Ele mostra a força da extrema direita na Île-de-France (região onde fica Paris). Quanto mais escuro, mais a extrema direita tem votos. Os dois mapas não estão na mesma escala, então quem não conhece bem a região pode ficar um pouco perdido. Paris é no meio daquele tumulto la no centro. E a gente pode ver que a parte norte de Paris esta bem escura.
Por que os pobres passaram a votar extrema direita? Porque aconteceu um fenômeno interessante. Antigamente essas cidades eram habitadas exclusivamente pelos operarios de fabricas e trabalhadores braçais, todos com grandes tradições sindicais, totalmente politizados. Votavam sempre extrema-esquerda. Dai um belo dia chegaram os imigrantes, que também eram pobres e acabaram se instalando nos mesmos bairros dos operarios. Passaram a disputar as vagas de empregos com eles e os operarios não gostaram muito dessa historia.
Encontraram no discurso da extrema direita, que é contra a imigração, uma possivel saida para seus problemas e passaram a votar neles. Os novos imigrantes, que não tem raizes sindicais e trabalhistas, não ligam para a politica e não votam. Muitos não podem nem votar porque estão ilegais e os que podem nem estão inscritos nas listas eleitorais. O nivel de abstenção em eleições nessas cidades do norte agora são muito altos.
Eh assim que os partidos ultra-conservadores estão ganhando terreno em zonas carentes. Ja nas areas ricas, apesar da direita ter grande parte dos votos, a extrema-direita não faz muito sucesso. Acho que quem tem uma educação privilegiada sabe que o Le Pen não vai trazer nenhum beneficio para a França.
Uma outra consequência desse fenômeno pode ser notada. Por não se sentirem representados politicamente, os imigrantes e seus descendentes procuram outras formas de lutarem por seus direitos, queimando carros, por exemplo, como aconteceu em 2005 e em quase todas as noites nos suburbios parisienses.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

BDs - Quadrinhos franceses

Uma das coisas que adoro na França são as revistas em quadrinhos, que aqui eles chamam de BD (bande dessinée). Quando criança, eu era viciada na Turma da Mônica, esperava ansiosamente minha assinatura de 15 em 15 dias. Aprendi a ler com elas. Alias, o cheri também aprendeu português com elas, especialmente com o Chico Bento, deve ser por isso que ele tem um sotaque meio caipira (mentira!). So que além da turma do Mauricio e da Disney, da invasão de mangas e umas revistas de super-herois e tal, não sobra muita coisa de BD no Brasil. Se eu estiver errada, me corrijam.

Aqui os quadrinhos ocupam boa parte das livrarias e a variedade é inacreditavel! Tem pra todos os gostos: humor, infantil, biografia, drama, terror, love story, erotico, ação, Historia… Até vi uma parodia que achei de muito mal gosto: Câncer and the City. So pra vocês verem que tem de tudo mesmo. Também li um que falava de pedofilia. Geralmente eles vem em capa dura e custam 10 euros, o que acho caro, se comparado ao preço dos livros. Eu pego muitos na biblioteca municipal, que é de graça.

O ultimo que li foi ‘Isnougoud’, que é a historia de um vizir que quer ser califa no lugar do califa (eles usam essa frase toda hora "être calife à la place du calife"). Eh bem engraçadinho. Descobri essa semana que tem um desenho animado também. Outro que li foi L’age d’or (a idade de ouro), que é sobre uma velhinha e seus amigos. Algo do tipo, Urbano, o aposentado. O proximo que quero comprar se chama Le goût du chlore (o gosto do cloro), que é sobre os encontros na piscina de uma ex-campeã de natação e um cara que nada por recomendações médicas.

Tenho dois grandes preferidos. O primeiro é Le retour à la terre (O retorno à terra), que é sobre um casal que sai da cidade pra se instalar no campo. Eh hilario! Esse vale muito a pena! Se você esta na França, compre. Tem 4 volumes, so li 3. E o outro é Persepolis, o BD que deu origem ao filme, que também é muito bom. Eu ri, chorei, aprendi, me choquei, me revoltei, tudo com esse livrinho. Ele conta a historia em primeira pessoa de uma menina iraniana através de todas as mudanças de seu pais e depois o peso de ser iraniana na Europa. Na verdade é uma autobiografia. Tem no Brasil tambem, traduzido ainda por cima.

BDs são uma otima forma de estudar francês, porque você acaba entendendo as palavras que não sabe pelo contexto e pelas figuras, nem precisa olhar no dicionario.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Burcas: diferentes pontos de vista

Volto ao assunto das burcas porque queria dividir o que li no Courrier International. Para quem não conhece, essa revista reune algumas das melhores reportagens publicadas em diversos paises durante a semana, traduzidas para o francês. Vou copiar alguns trechos que achei mais interessantes. A tradução para o português é minha.

Opressão do lado de la, opressão do lado de ca: "Onde vai?", "A Paris, claro! Na França, a burca vai ser proibida", "Você esta longe de estar pronta para um vestidinho de verão, olha essas pernas!", "Merda!",
‘Em Paris, ser contra a burca é ser de esquerda. Em Londres, é defender a extrema-direita. (…) Os principios republicanos de igualdade e de laicidade são tão profundamente enraizados no espirito francês que eles pertencem tanto a esquerda quanto a direita. (…) O discurso de Sarkozy significa que a França vai proibir seus cidadãos de usar a burca? Provavelmente não. Seu discurso deve ser antes de tudo considerado como como uma manobra politica. Ele quer reafirmar frente ao seu partido sua fidelidade aos ideais da Republica francesa e de lucro ainda ganhar a posição incerta da esquerda. (…) Visto da Grã-Betanha, os ideais franceses de igualdade e laicidade, muitas vezes mal-interpretados, parecem principios autoritarios e preconceituosos’, The Times, Londres.

‘A Franca aboliu a escravidão em 1848. E esta fora de questão hoje deixa-la se reinstalar sob a forma da burca’, ABC, Madri.

‘Diferentemente dos gurus do multiculturalismo, que inundam os escritorios europeus com iniciativas paternalistas sobre o Islã, Sarkozy não tem meias palavras: preservar a pluraridade de crenças de uma democracia é uma coisa, mais dai a permitir a segregação da mulher sob pretextos religiosos, esta fora de questão’, La Vanguardia, Barcelona.

‘Na sua luta pela igualdade, a França ao invés de encorajar o multiculturalismo, como fazemos na Inglaterra, se esforça em diminuir as diferenças e prega a integração. Essa vontade de abolir uma representação exterior do fundamentalismo muçulmano é uma prova da dificuldade do Estado francês de absorver um grupo de imigrantes que não quer ceder à sua laicidade. (…) Não sei quantas mulheres "escolheram" usar a burca, mas pensar que elas escolheram de boa vontade se cobrir com essa roupa triste é não entender o conceito de livre escolha pelo qual as feministas lutaram’, The Independent, Londres.

‘Quando passeamos voluntariamente pelo mundo como um espectro preto, impomos ao outro nossa necessidade egoista de nos taparmos. Eh um ato de agressão. Eh a liberdade que zomba da igualdade e da fraternidade’, De Volkskrant, Amsterdã.

‘Os arabes adoram lutar em batalhas previamente perdidas e adoram falar sobre os outros para chamar atenção sobre seus proprios problemas. E agora alguns se fazem mais democratas que os franceses e querem dar lições sobre os direitos das mulheres – sendo que em seus proprios paises as mulheres são privadas dos direitos mais elementares. (…) Seria mais util aceitar os direitos dos outros e entender que a unica forma de abordar as diferenças é tendo um debate construtivo. Isso provaria que procuramos nosso lugar (o lugar dos arabes) entre as nações e que não somos simples massas cegas pela colera’, Emarat Al-Youm, Dubai.

‘Quando Obama foi na Normandia para a comemoração do Desembarque e perguntaram o que ele achava da proibição do véu na França (note que a informaçao é falsa), ele reafirmou o que ja tinha dito no Cairo, "nos EUA, temos por principio não dizer às pessoas o que elas devem vestir". Uma atitude na qual os franceses fariam bem em se inspirar’, The Christian Science Monitor, Boston.

‘Uma vitima da moda ocidental é tão prisioneira de suas roupas do que uma mulher em burca. A liberdade real, para Hegel, não significa fazermos tudo o que queremos, mas nos liberarmos do condionamento social usando a razão. (…) Vão argumentar que as mulheres de burca são mais oprimidas que aquelas que se dobram à ditadura das revistas de moda. Efetivamente, eu sempre fico triste quando vejo uma mulher de burca – mas isso é problema meu’, The Sydney Morning Herald, Sydney.

‘Primeiro, Sarkozy não crê no Islã, senão ele saberia a alta estima que esta religião da as mulheres. Segundo, ele pertence a uma cultura que é injusta com as mulheres’, Gulf News, Dubai.

‘A partir do momento que as mulheres participam da vida da comunidade, usando essa roupa por escolha pessoal e não ameaçando a seguranca nacional do pais, qual o direito que temos de lhes dizer que tal roupa é mais libertaria que outra? Mais que tudo, a proibição da burca é um atentado aos direitos das mulheres’, The National, Abou Dhabi.

‘ A invasão do véu na Europa nos traz somente vitorias superficiais. Não ha nada do que se vangloriar de ter ter metido um pedaço de pano nas cabeças das mulheres na Champs-Elysées parisiene ou na Trafalgar londrina. Ja que nossas cabeças estão vazias e não são capazes nem de melhorar nossa situação deploravel, nem de oferecer ao mundo nada de positivo’, Al-Jarida, Koweit.

‘Algumas pessoas vão evocar a "liberdade pessoal" para refutar qualquer proibição. Esse argumento solido em si mesmo, perde muito de sua pertinência quando é posto à prova do contexto. (…) Esta na hora de parar com essas atitudes negativas que não somente desrespeitam a mulher, mas sobretudo desfiguram uma religião que como todas as outras é direcionada a encaminhar o homem à etica, ao amor e à espiritualidade. (…) Não estariam eles se excluindo eles mesmos de uma sociedade na qual deveriam se integrar para depois se dizerem vitimas de injustiça e de excusão?’, Courrier International, Paris.

Voila, tirem suas proprias conclusões.

sábado, 4 de julho de 2009

Petits boulots d'été

Por causa de uma maior igualdade social, a França tem um fenômeno que não temos no Brasil: os trabalhos temporarios de verão.

Durante as férias, muitos estudantes procuram um jeito de ganhar uma graninha extra e encontram a solução nos empregos de férias, que começa a partir de agora e vai até setembro, dependendo do curso. Vale tudo: lavador de louça, garçon, caixa de supermercado, estoquista, baba, arrumadeiro de quarto de hotel, animador em colônia de férias, o negocio é conseguir levantar um pouco de argent de poche, ‘dinheiro de bolso’ como eles chamam aqui.

Acho interessante porque praticamente todos os estudantes fazem esse tipo de ‘subemprego’ nem que seja pelo menos uma vez na vida. E isso é super importante para a classe média dar valor ao trabalho não intelectual, o trabalho pesado mesmo. Até o Sarko ja fez! Parece que não o suficiente, mas fez. Imagina so no Brasil se um estudante de segundo grau de uma escola particular ou de uma faculdade viraria caixa de supermercado no verão?! Primeiro que ele ia ter vergonha dos amigos o verem trabalhando la, e segundo, que o salario de um caixa de supermercado não vale nada para a classe média. Imagina trabalhar 9 horas por dia, provavelmente fins de semana, e ganhar 400 reais? Isso a mamãe da de mesada, oras! Por isso as classes sociais não se misturam no Brasil. Elas vivem em mundo diferentes. E o adolescente que acha que não vale a pena trabalhar por 400 reais, nunca vai descobrir por conta propria que a maioria da população ganha isso pra sustentar a familia inteira. Ele so vai ler essa noticia no jornal e ignorar, pois essa realidade esta muito longe dele. No maximo ele vai se solidarizar com a empregada da familia, mas nunca vai se comparar à ela.

Faz parte da formação do carater de uma pessoa compreender a situação dos menos favorecidos e no Brasil essa tarefa fica muito mais dificil se existir um abismo entre as classes por causa dos salarios desiguais. O unico contato que os ricos tem com os pobres sao seus porteiros, suas empregadas/escravas do lar, sempre em uma relação de superioridade.


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Proibição da burca na França

O governo francês quer implantar uma nova lei contra o uso das burcas na França. O presidente Sarkozy ja deu seu parecer favoravel (e ja foi devidamente ameaçado pela al- Qaida) e uma nova discursão se levanta por aqui: é legitimo decidir a roupa que as pessoas usam na rua?

Eu começo dizendo que essa pergunta por si so ja é falsa. Não é uma questão de roupas, é uma questão de mostrar o rosto ou não. A pergunta verdadeira seria: o governo tem direito de decidir se o rosto das mulheres deve ser escondido?

Eh bom lembrar que essa não é uma discursao religiosa, pois o Islã não cobra o uso da burca, é mais uma manifestação cultural, principalmente afegã, que se espalhou no ocidente como uma representação da religião muçulmana. Alias, aqui na França a maioria das muçulmanas não usa nem véu. Devemos nos perguntar por que então uso da burca no pais vem aumentando (segundo dizem as autoridades, pois eu pessoalmente nunca vi, e olha que estudo em Saint-Denis, cidade considerada como tendo o maior foco deles). Talvez seja uma reação ao preconceito contra o Islã, as pessoas querem se reafirmar e desafiar esse preconceito e encontraram no extremo sua resposta.

Até pouco tempo atras eu era completamente contra essa lei, mas agora ja não sei mais. Por mais que eu seja contra a burca, achava que proibir seu uso era uma porta aberta perigosa demais. Pensava que não era certo, em nome da liberdade, tirar a liberdade de escolha de quem quer usar a burca. Mas andei pensando e pesquisando e acho que existe um mito de que porque vivemos numa democracia, somos obrigados a aceitar todo e qualquer tipo de manifestação cultural, mesmo aqueles que abertamente são contra os principios da democracia. Ora, se fosse assim, teriamos que aceitar a poligamia também, ou o casamento forçado, ou o mutilamento feminino. Querendo provar que somos tão tolerantes, que aceitamos outras culturas, fazemos um retrocesso, principalmente nos direitos da mulher conquistados com tanta luta.

Do ponto de vista de uma democracia, nada mais democratico do que poder conversar com uma pessoa olhando nos olhos dela. Se ela vê seu rosto, porque você não pode ver o dela? Esse deve ser o principio mais basico da civilidade. O rosto é o minimo de sociabilidade de um espaco comum que é a rua, então vai sim, contra as normas de uma republica. Ver e não ser vista é voyeurismo.

Aceitar o uso do véu integral é matar o status da mulher. Eh tirar dela toda a humanidade. Acho que estamos todos de acordo com isso. O problema é se deve haver uma lei ou não. Do ponto de vista de um governo, acho sim que deveria ser ilegal, pois essa situação é uma quebra da democracia e dos principios basicos dos direitos da mulher. No entanto, é facil fazer uma lei e achar que isso vai resolver as coisas. Para o Estado, pode até ser que sim, pois não estaremos mais vendo o problema, mas e se o problema estiver trancafiado em casa?

Talvez uma lei seja uma solução preguiçosa para um problema muito mais profundo que envolve direitos civis e preconceito religioso. Mas alguma coisa precisa ser feita. O que?
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