Não, minhas férias ainda não acabaram. Mas depois de rodar todos os campings imagináveis do sul da França (algo entre 10 e 15) voltamos pra Argelès pra poder passar uma semaninha tranquila antes de voltar à babilônia.
Desisti de postar durante a viagem por vários motivos. Primeiro porque nem sempre tinha uma conexão boa, depois porque postar fotos era algo muito, muito complicado. Carregar a tablete nos campings também nem sempre era possível. E eu não queria perder meu precioso tempo de férias lutando contra todos esses empecilhos e provavelmente me irritando muito. Sem contar o cheri que reclama que eu passo tempo demais na internet. Não faço ideia de onde ele tira tamanha calúnia. :D
Mas tenho tanta coisa pra contar que nem sei como vou fazer pra organizar. Provavelmente vou virar blog monotemático por um tempinho. Mas antes de começar a maratona, aproveito para indicar um livro maravilhoso que li esses dias, presente de despedida das mães das crianças que tomei conta até julho - La vie devant soi, de Romain Gary.
Ja tinha ouvido falar do autor, pois ele conseguiu um fato inédito: ganhou o prêmio Goncourt, o mais importante da língua francesa, duas vezes. Normalmente, um escritor só pode ganhar uma vez na vida, mas Gary driblou as regras do jogo com um artifício simples - um pseudônimo. Na verdade, La vie devant soi, de 1975, é assinado por Émile Ajar, personagem que seu sobrinho aceitou encarnar por oito anos (alias, o falso escritor morava em Caniac, aquela cidadezinha do avô do cheri que falei no post do Lot). O primeiro Goncourt, Gary ganhou com Racines du ciel, de 1956. Quer prova maior de que o cara é bom?
Fui procurar o título do livro em português e vocês podem imaginar o tamanho da minha surpresa ao descobrir que a primeira tradução saiu em... 2011! A má notícia é que acho que é em português de Portugal. Mas não tenho certeza, não dá pra pesquisar muito aqui. Então procurem aí: Uma vida a sua frente, Romain Gary (Émile Ajar). Se não me engano tem um filme também. Hoje eu tô que tô pra dar informações, heim? Quando voltar pra Paris procuro tudo direitinho.
O livro conta a história de Momo, um orfão de mãe que mora na pensão da madame Rosa, uma judia idosa, mas do ponto de vista do próprio Momo. Como ele é uma criança não-escolarizada, a linguagem é limitada, assim como seu entendimento do mundo. A gente entra na cabeça de Momo e é capaz de entender toda a confusão mental dele. Por exemplo, mais pro fim do livro tem um diálogo incrível dele com um médico, e se eu copiar as falas de Momo aqui ninguém vai entender uma palavra dos absurdos non-senses que ele está falando. Mas depois de acompanhar toda sua vida, aquelas frases têm um sentido, a gente entende! E entendemos também o médico, que fica ali parado com cara de ué, sem entender nada. Genial.
Parece que Momo é uma pessoa em seu estado mais puro, uma criança que ainda não aprendeu a domar seus instintos. Inocência misturada com uma maturidade forçada. O livro é de um humor trágico, uma amargura necessária, mas sobretudo uma linda história de um amor atípico. Uma verdadeira obra de arte, não sei porque ele não é mais famoso fora da França. Virou um dos meus preferidos de todos os tempos junto com Cem anos de solidão e Metaphisyque des tubes, da Nothomb.
O primeiro parágrafo mal traduzido por mim:
"A primeira coisa que posso dizer é que a gente morava no sexto andar a pé e que para madame Rosa, com todos aqueles quilos que ela tinha e apenas duas pernas, era uma verdadeira fonte de vida cotidiana, com todas as suas penas e preocupações. (...) Sua saúde também não era boa e eu posso afirmar desde o começo que ela era uma mulher que merecia um elevador".