terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nunca subestime um coração partido

Deixar Paris está sendo o fim de relacionamento mais difícil que já tive na vida. Eu estou bem, já me conformei, já tenho uma outra cidade na minha vida, estou fazendo novos planos e aproveitando minha liberdade. O problema é ela: Paris está se revelando muito mais rancorosa do que eu imaginava.

Paris está me sabotando desde que eu voltei de férias apaixonada por outras cidades do sul da França. Espedaillac foi um golpe muito forte, eu sinto. Quando disse que os vilarejos são muito mais lindos do que a capital, eu sei que de alguma forma ela ouviu e se ofendeu. Quando eu me maravilhei com a Corse, tenho certeza que Paris pensou: "ela nunca olhou pra mim com essa admiração". E desde então ela anda fazendo da minha vida um inferno.

Depois de cinco anos de convivência, ela conhece muito bem meus pontos fracos e não hesita um segundo em utilizá-los contra mim. Ela me ataca na alma com toda a falta de gentileza que seus piores habitantes podem ter. Ela me mostra toda sua grosseria, sua ambição cega, sua mesquinharia. Ela aponta o dedo na minha cara, ri e me faz chorar em público. Ela me atinge no bolso através de sistemas complexos sobre o qual não tenho o menor controle. Ela me mostra o que há de pior na humanidade, ela me faz ter pensamentos furiosos e cheios de ódio, mostrando também o que há de pior em mim.

Sequer a reconheço mais. No início do nosso relacionamento ela me deu tudo. Ela me deu um lar, um emprego. Ela me ensinou muitas coisas, aprendi tanto! Ela me deu até um diploma, mas as coisas mais importantes que aprendi não foram em sala de aula. Paris me ensinou uma língua nova. Paris me ensinou a sempre olhar os dois lados da história. Ela me ofereceu tudo o que havia de melhor nela e eu peguei. Realmente me senti acolhida. Se no início não tinha muitos amigos, eu não me importava. Quando uma tristezinha ou uma solidão batia, eu saia de casa, ia admirar a beleza lá fora e tudo ficava bem novamente. Quem precisa de amigos quando se tem Paris?, eu pensava. E ela adorava ouvir esse tipo de coisa. Foi nossa melhor época juntas.

Com o tempo fui fazendo amigos e deixei de olhar tanto para cima para olhar mais para baixo, tomando cuidado com o caminho na volta pra casa de madrugada. Ela não estava totalmente satisfeita, mas acabou se conformando porque via que eu estava mais feliz. Mas nos sabíamos que nosso relacionamento já não era o mesmo. Eu já não podia mais suportar o metrô lotado que ela me oferecia. Passei a pegar ônibus. Eu comecei a reclamar da multidão, dos turistas, dos preços. Ela se ofendeu. O ganha-pão que ela oferecia passou a ser insuficiente para meu crescimento. Minha existência na cidade começou a parecer sem sentido e então eu decidir por um ponto final na nossa relação e ir embora.

Foi aí que Paris se decidiu a me prejudicar como podia. Ela me deu os golpes mais baixos que uma cidade pode dar numa pessoa. O que ela não percebe, é que isso tudo que ela está fazendo só me dá mais vontade de ir embora e a cada dia que passa eu tenho mais certeza de que tomei a boa decisão. Sim, amei Paris e vou continuar a amá-la pra sempre, mas de uma forma diferente. Ela sempre terá um espaço no meu coração - o que vivemos juntas não se esquece jamais. Mas ela precisa entender que esse joguinho sujo não serve pra nada. Não é melhor dizermos adeus sem mágoas, sem rancores, apenas lembrando os bons momentos?

Não me leve a mal, Paris. Sou nômade demais pra ficar numa cidade só. Mas nunca vou esquecer tudo o que você fez por mim, nem das vezes que você piscou quando me viu passar. So peço por favor, me deixe ir em paz.

Depois da tempestade...
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