Ah, os vizinhos... Quem não vive uma relação de amor e odio com eles? Eles estão la quando a gente precisa de uma xicara de açucar, mas em compensação também estão la, felizes, aprendendo piano às 8h da manhã de um domingo. Se no Brasil as relações com os vizinhos ja eram complicadas, imagina quando a gente mora em um apartamento de 23m² em Paris.
Sim, depende muito do bairro e da educação de cada um, tanto na França quanto no Brasil, mas doido existe em qualquer lugar. No prédio da frente do meu, por exemplo, la do outro lado da rua, tem um cara que de vez em quando mete a cabeça pra fora da janela e começa a berrar. Grita, grita e de repente para. Pronto, acabou o show, fecha a janela e continua cozinhando como se nada tivesse acontecido. O cheri chegou a desconfiar que tinha uma hora certa, mas depois de estudarmos por alguns dias, concluimos que não existe a menor logica para os ataques do vizinho.
Aqui no prédio não temos problemas com barulhos, o que eu acho super bizarro. Acontece o contrario: não ouvimos nada, nenhum sinal de vida inteligente por perto. Dai eu fico na duvida se eu não ouço os vizinhos porque eles não falam, ou falam baixo demais ou se as paredes são hiper competentes. Na duvida, eu solto a voz mesmo, ninguém nunca reclamou. Quer dizer, ninguém reclamou quando eu falo alto dentro de casa, em compensação não podemos deixar cair um alfinete nos corredores que ja vem bronca. Uma vez nossa amiga guatemalteca veio aqui em casa quando um casal de amigos brasileiros estava hospedados aqui. Todos sem se ver ha mais de um ano, matando saudade e tal. Na despedida, ja na porta, todo mundo comovido, quando a minha amiga dizia emocionada "Te quiero muchooooooooooo", a vizinha do lado abriu a porta numa grosseria, perguntou quando a gente ia parar de fazer barulho e arrasou com o clima de despedida.
Outro problema que a gente teve foi com a porta. Eu ja tinha percebido que o cheri batia a porta um pouco mais forte que o normal quando saia de casa, mas não falei nada, não me incomodava. Dai um dia eu estava saindo, a janela estava aberta e a porta bateu sonoramente. A vizinha, aquela mesma, não perdeu tempo e ja saiu reclamando que eu sempre batia a porta quando saia, que aquilo era um absurdo, que não podia continuar assim. Eu, a injustiçada que nunca batia a porta, estava tentando organizar na minha cabeça uma frase razoavel em francês pra me defender (eu tinha acabado de chegar em Paris) quando a vizinha de baixo ouviu a discussão e foi logo se metendo, subindo as escadas. "Sim, é verdade, essa porta sempre bate, isso é uma falta de respeito e blabla". Eu disse que ia ter mais cuidado, afinal de contas, jogar a culpa no cheri não ia adiantar nada.
Mas o tempo foi passando e eu acabei simpatizando com a vizinha do lado depois desses primeiros contatos turbulentos. Batemos altos papos no elevador sobre os elaborados assuntos que envolvem a temperatura e sobre o proprio elevador que quebra toda hora. Mês passado ela até salvou a vida do cheri que esqueceu a carteira e a chave na faculdade e ficou trancado do lado de fora sem dinheiro pra voltar pra recuperar as coisas. Tocou a campainha da vizinha e ela emprestou cinco euros pra ele, que simpatica.
A vizinha de baixo eu nunca mais vi nos três anos que moro aqui. O cheri pegou elevador com ela na semana passada e teve uma conversa sinistra. Ela disse: "Ah, pra subir você pega o elevador, né? Mas pra descer vocês sempre descem a pé". Agora eu sempre desco as escadas pensando se estou ou não sendo observada pela vizinha de baixo no olho magico. Pelo menos ela ainda não reclamou que a gente faz barulho pra descer.
Um habito interessante dos vizinhos franceses é avisar que vão fazer barulho com antecedência. Vira e mexe tem uns avisos pelo prédio "Sabado vou fazer uma festinha de aniversario em casa e peço desculpas pelo barulho que eventualmente causaremos", mas eu acho uma cara de pau tremenda dizer que vai dar festinha e não convidar os outros. Mas sabe que na França os vizinhos têm sua propria festa? No dia 28 de maio, a vizinhança se reune, leva bolo, petisco, vinho e socializa em algum jardim. Essa pratica simpatica existe ha apenas 10 anos e esta cada vez mais popular. Eu nunca participei, mas vou ver se esse ano vai dar pra ir. Quem sabe assim serei convidada para o proximo aniversario.
Outra boa ideia dos franceses é o site de bairros Peuplade. O principio é marcar programas com os vizinhos, tipo tomar um café, uma cerveja ou ir correr juntos no parque. Tem a parte de classificados também e tudo funciona em torno de mapas, pra saber a que distância da sua casa é o programa que você esta interessado.