segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Pessimismo à francesa

Assim como morar no exterior nos abre os olhos para aprender sobre nosso próprio país, morar em outro país durante muito tempo e depois sair dele também nos faz perceber melhor as sutilezas do lugar que antes passavam sem serem notados.

Percebi que os franceses são muito, mas muito pessimistas. Mas não foi preciso sair da França para saber disso, você diz. Ou melhor, não foi preciso sequer ir pra França, todo mundo sabe! Sim, sim, concordo. É uma ideia generalizada que paira sobre a cabeça dos franceses, mas que agora eu posso ver exatamente onde estão esses sinais de pessimismo.

Por exemplo, a tão usada expressão "bon courage" nada mais é que uma ode ao pessimismo. Uma vez estávamos no Brasil e o cheri, ao terminar as compras no supermercado, disse "Coragem!" à caixa que estava nos atendendo. Eu logo chamei a atenção dele, não se fala isso no Brasil. Não dizemos "força aí" às pessoas que cruzam nosso caminho porque não partimos do princípio de que elas estejam precisando de encorajamento para continuar trabalhando. Partimos do princípio de que tá todo mundo muito satisfeito de estar ali trabalhando. Tudo bem que isso pode não ser verdade, mas ora, isso é ser otimista.

Estava lendo uma matéria sobre um vendedor francês que, ao contrário da população mundial, gosta das segundas-feiras de manhã. Ele disse que sua mãe inglesa sempre dizia pra ele "enjoy your day!", ao invés do terrível "bon courage". Poxa, isso faz toda a diferença na vida de uma criança, não? Imagina ir pra escola todo dia ao som de "força", "coragem", "fé que você vai conseguir sobreviver a mais um dia". Um horror, esses franceses.

Não é à toa que eles vivem pensando na aposentadoria.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O punhal de Le Pen

Nas vésperas do segundo turno das eleições presidenciais francesas de 2002, aquela que catastroficamente ficou entre Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen, Mohamed Moulay abria a boca para contar sua tragédia pessoal. Esse argelino tinha passado muitos anos remoendo uma história de terror, mas quando viu seu algoz a um passo de se tornar presidente da república, decidiu falar. Pensando bem acho que ele já sabia que Le Pen não seria eleito, e escândalo nenhum mudaria isso, deve ter sido mais um puxão de orelha nos franceses, como quem diz "prestem bem atenção em quem vocês estão votando".

Mohamed contou ao jornal Le Monde que perdeu seu pai dia 3 de março de 1957, depois de uma visita de uma tropa de paraquedistas franceses. O chefe do grupo era o jovem Jean-Marie Le Pen, "grande, forte e loiro". O pai de Mohamed, Ahmed Moulay, fazia parte do Front de Libération Nationale, partido radical que lutava contra a colonização francesa e acabou consquistando a independência da Argélia (e que mais tarde demonstrou não ser nenhum um pouco democrático, mas isso é outra história). Então, no meio da noite, Le Pen invade a casa da família Moulay e submete Ahmed, que tinha então 42 anos, a um interrogatório macabro. O que se segue são intermináveis horas de tortura com água e eletricidade, sob os olhos aterrorizados da mulher e dos seis filhos de Ahmed. Diante da resistência do argelino em não delatar seus companheiros, Le Pen e sua tropa vão embora deixando um cadáver para trás.

O irônico é que o jovem Jean-Marie Le Pen esqueceu um punhal com seu nome gravado no local do crime. Mohamed, que na época tinha 12 anos, encontra a faca e sem pensar duas vezes a esconde. No dia seguinte Le Pen volta para recuperar o objeto, mas não acha. Trata-se de uma faca da Hitlerjugend, a Juventude Hitlerista, fabricada nos anos 30.


Essa história, Mohamed guardou por 45 anos e decidiu contar apenas quando viu Jean-Marie Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais, há exatos 10 anos. O político conservador processou Mohamed e o jornal Le Monde por difamação e perdeu. O punhal foi uma das provas do processo e daqui a um mês será levado de volta para a Argélia, onde se tornará peça de um museu.

Acho assustador pensar que é desse tipo de gente que a política francesa é feita. Que a UMP esteja pensando em fazer aliança com um partido fundado por um assassino. Claro que imagino (e espero) que Jean-Marie Le Pen tenha evoluído e não seja mais a mesma pessoa que invadiu a casa da família Moulay. Muito menos quero julgar Marine Le Pen pelos erros do pai. Mas é a essência que conta, sabe? É o ambiente do qual essas pessoas vieram.

Mohamed Moulay morreu há dois dias, aos 67 anos.

*Informações tiradas dessa matéria do Le Monde.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A esquerda francesa no caminho certo



A princípio, o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais francesas pode assustar, afinal de contas ver a extrema-direita conquistar quase um quinto do eleitorado parece realmente preocupante. Mas depois de uma análise mais fria, a esquerda francesa pode suspirar aliviada: ela está exatamente onde deveria estar. É claro que o risco sempre existe, mas o cenário político atual privilegia o partido Socialista de François Hollande como nunca antes.

Essa é a quinta vez que um presidente tenta a reeleição na história recente da França, mas é a primeira vez que o candidato-presidente não termina na frente no primeiro turno, o que reflete a grande rejeição de Nicolas Sarkozy. O atual presidente bateu recordes de impopularidade durante todo seu governo, o que leva a crer que seu partido teria melhores chances se tivesse apresentado um outro candidato, alguém com a imagem menos desgastada. A campanha popular contra Sarkozy foi provavelmente mais eficiente que a campanha pró-François Hollande. O site de informação francês Rue 89, por exemplo, criou o aplicativo "600 razões para não votar Sarkozy" que se espalhou rapidamente pela internet. O que garantiu o sucesso do aplicativo foi a relevância dos 600 motivos, pesquisados minuciosamente pelo jornalista Samuel Duhamel. Entre as razões estão: "Porque ele enviou o exército francês ao Chade em fevereiro de 2008 para manter o ditador Idriss Déby no poder", ou ainda "Porque uma viagem de 24h à ilha de Reunião por 1,6 milhões de euros (quase 4 milhões de reais) saídos do bolso do contribuinte é jogar dinheiro pela janela", sempre com suas devidas fontes.

Desta forma, é natural que os eleitores da UMP que rejeitam a figura de Sarkozy busquem alternativas e o caminho encontrado por parte deles foi o da extrema-direita de Marine Le Pen. Irônico que um dos objetivos da campanha de Sarkozy tenha sido justamente abocanhar parte do eleitorado lepenista, mas na verdade perdeu votos para ela. A candidata do Front National adotou um discurso mais leve em relação ao pai, repudiou a ideia de que seria racista e soube passar uma postura menos radical, mas sempre mantendo uma posição anti-imigração. Em um momento de crise, esse tipo de discurso é tentador para os operários. Voilà os 18%.

A grande preocupação agora é para onde vão esses eleitores. Marine Le Pen já garantiu que não apoiará Nicolas Sarkozy e incentivará seus admiradores a votarem nulo. É pouco provável os votos irem em peso para o presidente, pois os eleitores lepenistas não seguem a lógica da direita versus esquerda, é sobretudo um voto de protesto. Ora, protesto contra Sarkozy. Então somar as pontuações da direita não significa nada nessas eleições.

Todas as pesquisas apontam para uma vitória de François Hollande do segundo turno, nenhuma dá a vitória para Sarkozy. Se os prognósticos estiverem corretos, existe uma grande possibilidade que pela primeira vez a França seja governada por uma maioria de esquerda em todas as suas esferas políticas. A esquerda já conta com uma maioria nas prefeituras, nos conselhos regionais e no senado. Mas a conquista mais importante acontecerá em junho desse ano nas eleições legislativas, de onde sai a força do governo. Se o partido Socialista conseguir a presidência, a tendência é conseguir também as legislativas e se o quadro se confirmar, será a oportunidade de ouro para a esquerda francesa mostrar seu valor, justamente em um momento que o país se mostra com uma mentalidade cada vez mais conservadora.

*Texto escrito antes da possível junção da UMP com o FN (que na verdade não muda muita coisa nas presidenciais, mas nas legislativas). Outro texto meu sobre as eleições foi publicado aqui.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Conselhos práticos para quem vai deixar a França

Já alertei aqui o quanto Paris pode ser rancorosa quando decidimos deixá-la. Todos foram testemunhas de que enfrentei todo tipo de agressividade de sua parte - como eu disse: "os golpes mais baixos que uma cidade pode dar numa pessoa". Felizmente alguns desses golpes podem ser evitados se você estiver preparado, então decidi dar umas dicas de como se livrar da ira de Paris no dia que você resolver ir embora.

Na verdade acho que tive sorte de ter que fazer uma pequena mudança dois meses antes de fazer a grande mudança, então tive mais tempo de me organizar, mas como normalmente as pessoas não são expulsas do seu próprio apartamento, acho válido dar uns toques.

Roupas e livros
Logo que decidir voltar pro Brasil, aproveite cada visita que tiver para ir mandando as tralhas. Lembre-se que os brasileiros que visitam a Europa podem levar até duas malas de 32kg enquanto nós, que compramos as passagens saindo da Europa, podemos levar apenas uma mala de 24kg. Sim, o mundo é injusto. Deixe a vergonha de lado e peça pra galera ir levando suas coisas aos poucos, dando prioridade para os livros, que são mais pesados. Quanto à melhor forma de levar o que sobrou eu não posso ajudar, já que sou uma pessoa pesapegada que conseguiu enfiar tudo em uma malinha de 23,500kg (e sem pesar!). Sei que dá pra enviar por navio, mas tem gente que prefere pagar excesso de bagagem, que custa 100 euros cada mala extra.

Apartamento
Normalmente os contratos de aluguel exigem um pré aviso de um mês antes de deixar o apartamento. Não esqueça da caução: tenha certeza de que tudo está em ordem para não levar calote do proprietário, já que você não estará mais por perto para resolver qualquer perrengue.

TV-Internet-Telefone
Foi de longe o que me deu mais problema. É importante saber que a cada vez que eles ligarem oferecendo uma oferta nova, canais gratuitos ou qualquer outra mudança, é um contrato novo que se inicia. Mas também não é nada de grave, já que podemos interromper o contrato no caso de uma mudança para o estrangeiro. O ideal é mandar uma carta pedindo o cancelamento do serviço um mês antes de partir. Tem que pegar um modelo de resiliation na internet dizendo que vai se mudar, pedir pra alguém no Brasil assinar uma carta em francês dizendo que você vai morar na casa dela. Não esqueça de uma cópia do passaporte da pessoa e um comprovante de residência. Então poste no correio com o comprovante de entrega, que é a parte mais importante. Há casos das empresas dizerem que nunca receberam nada. Normalmente demora uma semana. Daí eles tem que mandar pra sua casa um documento pedindo pra você depositar o material que emprestaram na loja mais próxima no prazo de 15 dias. Você vai lá, deposita o material e pega um comprovante. Se tiver caução, como no meu caso, pergunte quando e como vai receber o dinheiro. Aproveite e peça pro cara dar uma olhada no computador pra ver se está tudo certo (porque no meu caso eles estavam prestes a descontar 500 euros por engano). Depois disso, vá ao seu banco e faça uma opposition à empresa, para impedí-la de tirar dinheiro da sua conta. Isso é muito importante, porque muita gente tem problema com empresas que continuam a cobrar por um serviço que já foi cancelado! E como você estará no Brasil, não poderá resolver tudo isso e acabará perdendo uma grana à toa.

Celular
É mais ou menos no mesmo esquema da TV aí de cima. A diferença é que não tem material a ser devolvido. Eles dão um prazo de 15 dias para cancelar o serviço depois que recebem a carta. Mas no meu caso, por exemplo, demorou mais de 15 dias apenas para eles receberem a carta! Só fui ter a confirmação depois que já estava no Brasil. Então se você não se importar de ficar um tempinho sem celular, sugiro que mande a cartinha um mês antes de ir embora.

*Comprar um celular com contrato de dois anos, mesmo que você vá embora daqui a dois meses, é uma boa ideia, já que podemos cancelar o contrato em caso de mudança de país. Muita gente aproveita os bons preços para chegar no Brasil com um IPhone novinho (e ser logo roubado, mas aí é outra história).

Banco
Os bancos da França são bem práticos. Se você quiser cancelar sua conta, tudo o que tem a fazer é transferir seu dinheiro para uma conta no Brasil e fechar tudo. Se ainda tiver um pagamento pra receber ou uma conta que vai cair depois de sua partida, também não tem problema, você pode fechar sua conta por email. Mas antes vá conversar com o responsável e explique a situação. Se você quiser manter sua conta, pode acompanhá-la pela internet e continuar fazendo suas transações por email. Dá pra fazer tudo à distância, mas antes é preciso ir lá pessoalmente e bater um papinho com o gerente.

Alguma outra dica?
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