domingo, 29 de agosto de 2010

Top 10 - Passeios diferentes em Paris

Ja faz algum tempo que estou devendo um novo top 10, mas faltava assunto. Toda vez que eu pensava em alguma coisa, depois mudava de ideia achando que aquilo não era tão interessante assim. Bom, então dessa vez fiz uma seleção de programas off the beaten track que servem tanto para turistas quanto para pessoas que moram em Paris, mas ainda não conhecem esses cantinhos. Essa é a apenas a minha seleção: não hesitem em recomendar seus passeios preferidos!

10- Promenade Plantée
A promenade plantée é um caminho verde de quase 5km entre a Place de la Bastille e o boulevard periférique (o anel rodoviario que circunda Paris). Foi construida numa antiga linha ferroviaria, a linha de Vincennes. Eu adoro, o caminho é muito tranquilo, rodeado de flores e tão calmo que às vezes a gente duvida se esta mesmo na capital francesa. Os guias dizem pra começar na Bastille, mas eu aconselho fazer o caminho inverso: desça no metrô Bel-Air e va em direção à Bastille, ja que la tem bem mais coisas pra fazer quando chegar, como almoçar num restaurante charmosinho.
* Metrô linha 6, estação Bel-Air

9- Basilique de Saint-Denis
Considerada por muitos como uma das igrejas mais bonitas da região parisiense, a Basilique de Saint-Denis é pouco visitada pelos turistas por causa da sua relativa distância do centro da cidade. Na verdade ela fica localizada fora de Paris, na cidade vizinha de Saint-Denis (aquela onde imigrantes incendiaram carros em 2005), mas é acessivel em metrô. Ela foi construida no ano de 475 - não, não é um erro de digitação - e sofreu diferentes modificações e reformas ao longo dos séculos até chegar à sua forma atual. De estilo gotico, a igreja abriga sepulturas de reis da França. Aproveite o passeio para conhecer um pouco os suburbios mais "problematicos" da capital, da pra notar a diferença entre o glamour parisiense e a realidade periférica.
* Metrô linha 13, estação Basilique de St-Denis

8- Roller pela cidade
Tudo bem que turistas geralmente não carregam um par de patins na mala em caso de emergência, mas deveriam! Paris oferece dois passeios semanais pela cidade para os patinadores. O primeiro acontece toda sexta à noite, mas tem um nivel bem avançado: a balada é em alta velocidade e quem não tem muita intimidade com patins acaba ficando pra tras. Mas não se preocupem, tem ainda a segunda opção que acontece todo domingo à tarde e é bem mais tranquilo. Ja cansei de ver pais e mães patinadores empurrando carrinho de bebe. A cada semana os percursos de ambos são diferentes e todo passeio conta com o apoio da prefeitura, que oferece ambulância, patrulha de segurança e policiais, de patins, é claro.

* Pari Roller - Encontro aos pés da torre Montparnasse sextas às 21h30, metrôs linhas 4, 6, 12 e 13 estação Montparnasse-Bienvenüe

* Roller & Coquillages - Encontro na Place de la Bastille domingos às 14h30, metrô linhas 1, 5 e 8 estação Bastille

* Aluguel de patins aqui e aqui

7- Bercy Village
O Bercy Village é um lugarzinho aconchegante e original que poucos turistas conhecem em Paris. Eu diria que é um mini-shopping a céu aberto, cheio de lojinhas charmosas, restaurantes, bares e um enorme complexo de cinemas. Fica localizado onde antes era um importante local de armazenamento e comércio de vinhos. Acho que o slogan do centro comercial corresponde muito bem à realidade: "um parênteses em Paris". Adoro a cervejaria The Frog, onde fabricam suas proprias cervejas. Recomendo aquela que tem um toque de gengibre. Hummm!
* Metrô linha 14, estação Cour Saint-Emilion.

6- Bike nos bois de Vincennes e Boulogne
Paris é uma cidade verde. Em cada cantinho descobrimos um parque, um refugio pra quem precisa sair do tumulto de uma capital. E com certeza os dois maiores refugios desse tipo em Paris são os dois bois (pronuncia-se boah), o de Vincennes e o de Boulogne. Eles ficam nas extremidades da cidade e são muito, muito grandes. Geralmente ficamos so com as pontinhas deles, fazemos um piquenique bem perto de Paris mas esquecemos todo o restante do bois, ja que é longo demais de andar. Então uma boa opção é alugar uma bicicleta e explorar o interior dos parques. Eh tanto verde, por tantos quilômetros, que a gente realmente duvida estar em Paris. Pode ir sem medo porque não é perigoso e nem tem muito como se perder, ja que tem varias ruas dentro deles. Mas é sempre bom levar um mapa.
* Bois de Vincennes - Metrô linha 8, estação Porte Dorée; ou linha 1, estações Saint-Mandé ou Château de Vincennes

* Bois de Boulogne - Metrô linha 1, estação Porte Maillot; ou linha 2, estação Porte Dauphine; ou linha 10, estação Porte d'Auteuil

5- Concertos gratuitos na Radio France
Somente o passeio até a RFI (Radio France Internacional) ja vale a pena: a famosa maison de la radio é um prédio redondo e original, localizado no 16ème arrondissement de Paris, considerado o mais chique da capital. Mas um motivo melhor ainda para a visita são os concertos que a maison promove, grande parte deles gratuitos. Geralmente é de musica classica, mas também tem outros gêneros. O site da radio com a programação dos shows é meio confuso, então o melhor é comprar aqueles guias semanais tipo Pariscope pra saber sobre os proximos concertos. Dica: como os lugares são limitados, é bom chegar cerca de 1h30 antes do inicio do espetaculo, pra garantir seu lugar.
* RER C, estação Avenue du Pdt Kennedy

4- Passeio no ônibus 72
Como boa utilizadora e grande fã dos ônibus de Paris, tenho uma linha preferida: a 72, Hotel de Ville - Parc de Saint-Cloude. Sempre que posso dou um jeitinho de pegar esse ônibus, pois acho que ele faz um dos trajetos mais belos da capital francesa e a cada vez sinto um quentinho no coração so de olhar a paisagem. Ele passa pelo museu do Louvre, pelo jardim de Tuilleries, pela Place de la Concorde, pelo Petit Palais, pela Torre Eiffel. E na volta, na direção Parc de Saint-Cloude - Hotel de Ville, ele vai beirando o Sena o tempo todo, super gostoso. Eu so fui até a Radio France (aproveitem o 72 para assistirem os concertos da RFI!), nunca fui até o final, mas aposto que se continuarmos teremos ainda mais belezas. Os tickets dos ônibus são os mesmos do metrô e podem ser usados até 1h30 depois da primeira validação em outros ônibus ou Tramways.

3- Cité Universitaire
A cidade universitaria de Paris é um lugar que vale a pena conhecer. Ela abriga maisons de diversos paises, como a maison du Brésil, a maison du Liban, a maison de l'Inde, e cada uma delas conserva a arquitetura e o estilo de seu pais. A do Brasil é do tipo Oscar Niemeyer, bem acimentada com janelinhas coloridas. Minha preferida é a do Japão, que tem um jardinzinho na frente que é uma graça! Entre as maisons tem muito espaço verde onde se pode fazer esportes e piqueniques. Algumas vezes por ano a Cité U, como é conhecida, organiza festas onde todo mundo é bem-vindo. Os moradores de cada maison vendem pratos tipicos de sua região de origem e apresentam espetaculos de dança e musica tradicionais.
* RER B ou Tramway 3, estação Cité Universitaire


2- Visita aos esgotos de Paris
Hum, por que não? Visitar o esgoto de Paris não é um dos passeios mais glamourosos que se pode fazer na França, mas com certeza é bem original. Por 4,30 euros, o turista pode conhecer o subterrâneo da cidade durante uma hora e aprender como funciona o sistema de esgoto. Podemos ver as estações de tratamento e as diferentes maquinas usadas ao longo do tempo. Na verdade é um programa muito instrutivo e eu garanto que o unico rato que você vera sera o de pelucia na lojinha de souvenirs, na saida.
* Metrô linha 9, estação Alma-Marceau (atravessar a ponte)

1- Caça ao tesouro
Sabia que em Paris são organizadas varias caças ao tesouro? São diversas associações, e mesmo a prefeitura, que incentivam turistas e moradores a investigar mistérios para conseguir encontrar o tesouro primeiro. Os limites geograficos da brincadeira são determinados antes, mas geralmente ela abrange boa parte da cidade, sendo necessario pegar metrô, ônibus ou bicicleta para seguir para a proxima pista. Parece uma otima desculpa para bater perna por ai, ainda mais se tiver uma criança por perto, ja que o tesouro dara a ela motivação e energia suficientes para andar o dia inteiro! Eh verdade que algumas caçadas podem ser cansativas demais para as crianças, mas tem diversas alternativas, como uma limitada so na Ile de la Cité.
Exemplos de mais caça ao tesouro aqui e aqui.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Como um machista me transformou em feminista

Esse post foi feito para o Concurso de blogueiras da Lola. Participem também!

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Eu sei exatamente quando virei feminista, ainda que na época eu não soubesse que aquilo tinha nome.

Eu devia estar na quinta ou sexta série e pegava carona com uma professora da escola onde eu estudava. Quer dizer, com a professora não, porque ela não dirigia, mas com seu marido. E aos poucos fui percebendo o quanto eu detestava esse cara. Ele era cinico, hipermachista, debochado, falava mal dos outros, criticava todo mundo e achava que existia uma linha clara entre o comportamento desejavel de uma mulher e de um homem.

Um dia eu cheguei feliz contando da minha competição de natação do fim de semana. Disse que tinha tido um otimo resultado, que minha treinadora me elogiou e que todo mundo estava muito orgulhoso de mim. E eu so devo ter dito isso porque não estava conseguindo segurar meu contentamento, porque normalmente eu evitava falar perto dele. Eles fizeram perguntas sobre a natação e eu falei que eu competia, que viajava com minha equipe, que treinava todos os dias, que fazia até musculação. Eu não conseguiria descrever precisamente a reação dele, um misto de desprezo e deboche: "Ptzzzzzz............. Agora so falta querer fazer futebol". E começou um discurso sobre como meninas não deveriam fazer esportes assim, como isso as deixam brutas e masculinizadas. E eu não consegui responder nada, so disse em tom de desafio que estava procurando um time de futebol pra jogar.

Acho que esse foi meu primeiro contato direto com o machismo. Como filha unica de pais separados, sempre morei so com minha mãe, então não havia papeis pré-determinados em casa. Não tinha um irmão para uma possivel diferença de tratamento ou responsabilidade. Não tinha um pai dentro de casa para exercer uma possivel autoridade sobre minha mãe (o que eu acho que não aconteceria de qualquer forma). O que eu via era minha mãe trabalhar em dois empregos, sustentar a casa sozinha, me criar sozinha (com a ajuda da minha avo), dirigir feito uma louca pra me levar pras mil atividades que eu fazia e em seu tempo livre dar festas enormes, cheias de amigos e viajar por ai. Como alguém ousava me dizer que a mulher era limitada em relação ao homem? Era uma provocação muito grande.

A cada dia que passava eu odiava mais o cara. Mas era uma relação estranha, porque ao mesmo tempo eu não me permitia odia-lo. Achava que eu não devia odiar ninguém, que ele era o marido da minha professora querida e que era muito feio essa aversão que eu sentia por ele. Engraçado como as coisas são. Passei a somatizar meu odio por ele. Todo dia de manhã eu passava mal. Todo dia eu dizia pra minha mãe que estava doente, que não podia ir à escola. Todo dia eu descia atrasada e o cara reclamava do meu atraso. Ia até a escola passando mal, calada. Tinha pesadelos sobre o carro quebrando no caminho e eu presa com o cara durante horas. Era um percurso rapido, mas tenso. Quando chegava na escola, que eu adorava, esquecia completamente o mal-estar, até a manhã do dia seguinte.

Eu não sabia como responder o cara, com certeza não estava preparada pra isso. Mas tentava alfineta-lo com minhas armas, sobre coisas que eu sabia que o incomodavam, sobre como as meninas da minha turma da natação eram fortes, sobre como a minha mãe levava uma vida boa com liberdade de fazer o que ela quisesse, sobre todas as minhas futuras possiveis profissões, como bombeira, advogada, jornalista, deputada. Mas sabia que isso não era suficiente, então entendi que o principal não era vencê-lo com argumentos que me faltavam, mas com ações. Entendi que nosso duelo seria a longo prazo. Sem poder vencer com palavras, tive que deixa-lo la com seus preconceitos, falando sozinho e ir viver a minha vida.

E acho que é essa filosofia que venho seguindo desde então. Porque acho que fazemos mais pelo feminismo nos tornando médicas, juizas, jogadoras de futebol ou pedreiras, e não deixando nos dominar por homem nenhum, do que decorando a teoria do feminismo e nos enchendo de argumentos contra os machistas de plantão. Alguém ja conseguiu mudar um machão? Deixemos eles falando sozinhos, vamos viver nossas vidas e mostrar na pratica até onde podemos ir. Porque enquanto aquele cara estava no sofa dele propagando asneiras àqueles que orbitavam em sua vidinha ordinaria, eu conheci o mundo, aprendi duas linguas, fiz mestrado e continuo fazendo minha natação, quando da.

Daria tudo pra ver a cara de bunda dele quando a Dilma for presidente.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Igreja ou museu?

Estou pra fazer esse post ha um tempão, mas agora tenho um bom motivo: se eu não fizer logo, a Luci, que esta em Berlin, vai me roubar o assunto! :)

Na minha viagem para Munique, Praga e Berlin com minha mãe, o que mais vi foram igrejas. Eu ja disse que estava com minha mãe, né? Na verdade eu so entrava mesmo pra descansar - essa era a unica oportunidade que ela me dava, mesmo que involuntariamente, de esticar as pernas. Eu ficava la sentadinha olhando pro teto e pras outras centenas de turistas pensando como a função da igreja estava ultrapassada. Tudo era tão velho, tão arcaico, tão fora da nossa realidade que as pessoas não podiam se conter e tiravam fotos de tudo. A igreja como função religiosa esta perdendo espaço para a igreja função museu. Todos os outros serviços da sociedade foram se modernizando, menos a igreja, que se manteve exatamente do jeitinho que era, tornando-se uma espécie de portal do tempo.

Em Praga, calhou de ter uma missa numa das igrejas que entramos. Cumprindo o ritual, fui logo me sentando enquanto minha mãe rumava para a lojinha de souvenir (a igreja pode ser velha mas não é nada boba). Fiquei assistindo aquela missa estranha, com turistas fotografando a igreja, a missa e os fieis como se fosse um ritual exotico. Os flashes na cara do padre me constrangiam, mas ele parecia estar acostumado. Pensei em ligar o laptop, "sera que aqui ja tem wireless?", achei melhor não. Então chegou o momento da missa onde as pessoas têm que cumprimentar umas às outras e eu me senti aliviada ao ver que estava afastada dos outros e não precisaria participar da brincadeira. Mas vi que o padre não acabava nunca seus cumprimentos e ja tinha passado da metade da igreja. E veio vindo. Dai notei que ele perguntava em inglês pra todo mundo que estava sentado "Where are you from?". Quando ele chegou perto de mim pensei que tinha sido uma boa ideia não ter ligado o computador.

- Where are you from?
- Brazil.
- Brazil! Very good, very good!

Isso é que é padre globalizado. Os flashes até aumentaram.

Estava nessa dinâmica de igreja-museu, quando em Berlim me deparei com a unica igreja que realmente me impressionou. Na verdade duas, uma do lado da outra. A primeira era uma igreja destruida pelos bombardeios da guerra, que eles não restauraram e deixaram ela la, em ruinas, para lembrar os estragos que uma guerra pode fazer. Em vez disso, construiram ao lado uma nova igreja, bem moderna, pra contrastar com a antiguidade da primeira e lembrar que bom, as coisas evoluem. A-do-rei a igreja! Ela é linda, clean e cool, como uma igreja que acompanha seu tempo deveria ser. Acho que assistir uma missa ali faria muito mais sentido do que naqueles museus com pinturas datadas e imagens assustadoras. Veja bem, não estou contestando a arte, mas na nossa realidade atual não nos identificamos mais com aqueles personagens para fazer parte do nosso dia-a-dia! Parece que a nova igreja de Berlin respeita mais a inteligência de seus fieis, dizendo, ei, você esta vendo, a gente evolui junto contigo! Você não precisa mais rezar em bancos duros e desconfortaveis! Aquela decoração ultrapassada a gente deixa pros museus! Aqui é apenas um local de fé, esperança e compreensão! Querer prender os fieis no século retrasado não da, né?

O problema é que a modernização mais necessaria da Igreja Catolica eles não podem fazer: atualizar a biblia para nossa realidade. Goodbye, fieis!






sábado, 14 de agosto de 2010

O segredo

Acho que vou começar uma série nova: aventuras da Amanda nos ônibus de Paris. Minha ultima foi ha umas três semanas, quando uma colônia de férias invadiu meu ônibus com umas quinhentas crianças barulhentas. No assento ao meu lado amontoaram-se três meninas de uns 8 anos e começaram a conversa:

- Esse ano eu e minha familia não vamos viajar, por isso meus pais me colocaram na colônia de férias.
- Poxa, mas por que vocês não vão viajar?
- Ih, ta a maior confusão la em casa! Um dia meu pai chegou todo machucado e disse pra todo mundo que tinha caido da escada, mas era mentira: minha mãe que bateu nele. Então quando ele disse que ia separar dela, ela disse que não ia deixar e bateu nele de novo.
- …
- Dai meu pai chamou a policia. A policia chegou la em casa e foi a maior confusão. Depois chegou a televisão e a gente passou no jornal das sete.

Ou a menina tem muita imaginação, ou ela ainda vai gastar muito dinheiro em terapia.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A republica da soja

Algumas pessoas perguntaram sobre meus temas de pesquisa das dissertações, então hoje vou falar um pouco sobre isso. As universidades francesas vêem a presença de um aluno estrangeiro como positiva porque partem do principio que ele vai poder trazer um pouco mais de conhecimento sobre seu pais de origem. Quase sempre os professores querem que o estrangeiro pesquise sobre o proprio pais, ja que teria mais facilidade com a lingua (bibliografia, pesquisa de campo, entrevistas) e um conhecimento prévio maior. Ou seja, levaria 10 vezes menos tempo do que um francês pra fazer o mesmo trabalho. O problema é que nem sempre os estrangeiros estão dispostos a estudar o proprio pais, afinal de contas, se esse fosse o objetivo, era mais facil ter ficado em casa. E esse era meu caso: eu queria ser jornalista da editoria internacional e falar sobre o Brasil não me acrescentaria muita coisa. Então achei um assunto que agradava todo mundo, sabendo que teria ir até la fazer a pesquisa de campo, que era pré-requisito: os brasiguaios, brasileiros que moram no Paraguai.

Muitos amigos brasileiros disseram "Mas Paraguai? Não tem nada de interessante la!". Olha, a primeira vista pode ser, mas depois que comecei a ler sobre o tema vi que tinha na minha frente um prato cheio para a geopolitica. Resumindo bem, o Paraguai abriga uma colônia gigantesca de brasileiros que foram pra la nas décadas de 70/80 por causa do baixo preço das terras e do incentivo do governo paraguaio, mas que hoje são uma praga no pais. Eles ocupam toda a região da fronteira com o Brasil e em muitas cidades se fala português, se vê novela brasileira e se mantém todos os costumes da terrinha. Eles não se misturaram, até as escolas são brasileiras. Até ai tudo bem, o problema é que eles plantam soja transgênica, que esta acabando com o pais. Primeiro por causa da enorme quantidade de agrotoxicos que fica no ar, na terra, na agua. Segundo porque eles estão comprando terras familiares de subsistência para aumentar a produção. Terceiro porque soja não precisa quase de mão-de-obra e os poucos empregos que existe são dados a outros brasiguaios, porque "paraguaio não gosta de trabalhar". Ou seja, esta acontecendo agora um êxodo rural muito grande e o resultado futuro a gente conhece bem: violência urbana.


Dai que o novo governo Lugo (aquele do padre de dois filhos) foi eleito com um discurso de que ia expulsar os brasiguaios do pais e fazer a reforma agraria. As invasões às fazendas estavam à mil e foi nessa época que eu meti os pés no Paraguai depois de 30 horas de ônibus do Rio. Ja tinha pronto na minha cabeça todos os papeis do teatro paraguaio: pobres locais, mocinhos; ricos brasiguaios plantadores de soja, vilões. Em Assunção visitei ongs e associações anti-soja e tudo ia bem. Então fui do outro lado do pais, onde os brasileiros estão concentrados e, numa cidadezinha chamada Santa Rosa del Monday, fui acolhida pela familia de brasiguaios mais doce que existe e que com certeza não cabiam no papel de vilões que eu tinha reservado pra eles.

O pai trabalhava para um grande sojeiro brasileiro (esse sim eu conheci e cabia no estereotipo de vilão) e me levou pra conhecer a imensa fazenda que era um mar verde, até onde os olhos pudessem alcançar. Visitei a maquinaria onde se colocava o "veneno" (como eles proprios chamavam os agrotoxicos) nas sementes, senti o cheiro quimico insuportavel que exalava de la. Entrei nos galpões de tratamento de soja-pos colheita e vi as toneladas de sacas prontas pra exportação. Cruzei tratores passando mais uma camada de veneno nas plantações.

Pausa pra explicação técnica. Pra quem não entende nada de agricultura, a vantagem da soja (e dos outros alimentos) trangênica é sua resistência aos herbicidas e inseticidas. Então pode-se passar um veneno bem forte contra os parasitas sem matar a planta também. Os trangênicos não se reproduzem, são feitos em laboratorios, como a Monsanto, que dominam o mercado vendendo as sementes, e é claro, os agrotoxicos. Mas isso ja é outra historia.

O irônico é que aqui na Europa os agrotoxicos são vistos como o inimigo numero um de uma vida saudavel. Os trangênicos, então, são o proprio demônio! Proibidissimo na Europa! Mas pra onde vai a soja venenosa transgênica do Paraguai? Pra Europa, alimentar as vaquinhas que produzem os camamberts da francesada.

E são os brasiguaios que fazem essa festa toda no terreno do vizinho. Mas ai entram os argumentos deles: vieram porque chamaram. O governo paraguaio abriu as portas do pais aos brasileiros, procurando agricultores mais especializados para colonizar essa parte deserta do territorio paraguaio, justamente a fronteira com o Brasil. Muitos brasileiros responderam ao apelo, venderam tudo o que tinham no Brasil. A maioria era muito pobre. Chegaram numa mata fechada e selvagem e o que mais se ouve dos brasiguaios é “quando cheguei aqui so tinha mato”. Eles abriram a floresta, construiram casas e aos poucos foram preparando terreno para agricultura, como desejava o governo paraguaio. Então eles dizem que depois que todo o trabalho estava feito e era hora de colher os frutos, os paraguaios resolveram atravessar o pais e reivindicar as terras que eles haviam comprado do governo.

Querer dividir tudo em bem e mal é tão ingênuo, né? O que existe são decisões tomadas de acordo com o contexto do momento. A banca disse que estava obvio no meu trabalho que eu tinha ido pro Paraguai pensando uma coisa, mas que mudei de ideia, o que foi bem positivo. Em suma, eu adorei ter estudado esse tema, adorei ter ido no Paraguai quebrar a cara, adorei ter conhecido todo mundo que conheci. Adorei um pouco menos escrever cem paginas sobre isso.


Meu segundo tema foi escolhido sabendo que eu não poderia fazer pesquisa de campo, o que seria bem menos emocionante. Escolhi uma coisa que sempre me intrigou, os movimentos separatistas no Sul do Brasil. Foi interessante, mas acho que so o fato de não ter ido até la me desestimulou muito. Fiz tudo pela internet, pelos livros, pelas teorias. Nada de grandes aventuras em um pais desconhecido, o maximo de emoção que tive foi pegar o ônibus até a biblioteca mais proxima. Agora da pra entender minha frustração, né?

*As fotos são minhas (exceto a do agrotoxico) e ilustraram a dissertação.

sábado, 7 de agosto de 2010

Psicologia alimentar

Acho que ja falei por aqui que eu era muito problematica pra comer. Quando criança era movida por farinha lactea e não comia nada além disso. Depois que cresci não fiquei muito melhor, a hora do almoço era uma tortura pra mim, achava chatissimo esse negocio de comer varias vezes por dia. So passei a gosta de comer depois que conheci o cheri e descobri que não precisava comer arroz e feijão todos os dias: minha vida mudou. Minha familia não é chegada à frutas e legumes, e eu nunca dei espaço pra sabores diferentes na minha boca até eu ir pra Australia, pois achava que tinha que provar os alimentos exoticos do lugar.

Foi assim que me apaixonei por 'zucchini'. Quando o cheri me aprensentou esse legume tão saboroso, tão diferente, não quis saber de outra coisa, queria comer o tal do zucchini todo dia (mal sabia que estava prestes a plantar e colher zucchini pelos proximos seis meses!). Queria contar minha descoberta culinaria para meus amigos do Brasil, então fui olhar no dicionario qual era a tradução da maravilhosa iguaria e tomei um susto quando li "abobrinha". A-BO-BRI-NHA. Toda minha satisfação foi abaixo e so consegui murmurar "mas eu não gosto de abobrinha.........".

Aconteceu a mesmissima coisa com os persimons. Numa fazenda, eu e o cheri estavamos encarregados de colher uma fruta muito boa chamada persimon. Corri pro dicionario, não tinha nada. Dai me assegurei da exoticidade da fruta, ja podia me gabar, ainda mais quando me falaram que ela é exportada so pro Japão, e os japoneses pagam uma nota preta por elas. Depois de um mês comendo muito persimon, voltei pra cidade e levei pras minhas amigas alguns exemplares da fruta, e uma delas ja foi logo dizendo: "Ah, que legal, você trouxe caqui!". :/

Aqui na França também não foi muito diferente. Aconteceu igual com o poirot, que na verdade é o alho poro que eu nunca tinha comido mas detestava mesmo assim, no Brasil. E em Paris virou rapidamente meu legume preferido. Mas minha mais recente descoberta foi o basilic, que eu achava super chique, super autêntico e super mediterrâneo. A vida estava muito boa e tranquila entre eu e meu basilic até minha mãe, ingenuamente, fazer a fatidica pergunta: "mas o que é basilic em português?". Pronto. Uma rapida busca na internet me mostrou o inevitavel: basilic é simplesmente manjericão. Minha decepção não podia ser maior. Nem preciso dizer que eu detestava manjericão, né?
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