sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Arrasando na oratoria

Meu primeiro dia de aula foi ha mais de um mês e desde la não tive tempo de escrever. Foi um engano pensar que teria mais tempo livre ao deixar o trabalho e voltar pra universidade. Apesar de ter bem menos carga horaria, tem muito trabalho pra fazer em casa! Do primeiro dia até aqui muita coisa aconteceu. Fiz varios amigos, aprendi um monte de coisas interessantes, mas também entrei em crise e achei que nunca iria conseguir acompanhar o curso. A crise ja passou (ou quase), mas se um dos episodios dramaticos merece ser contado, é a minha apresentação oral.

Na faculdade eu achava que minhas apresentações orais não tinham como ser piores. Sim, tinham: em francês.

Na véspera pedi ao meu namorado pra ser minha platéia, pra ter certeza de saber tudo o que queria falar. Comecei bem gaguejante, tentando consciliar meus pensamentos com minhas falas, mas levando bem a sério! Quando olhei pra minha platéia, ele estava sorrindo, a cabeça meio quebrada pro lado, uma cara absoluta de piedade. Tipo uma atitude de "ta péssimo, mas olha so pra ela, esta se esforçando tando, tadinha". Fiquei pe da vida! Reclamei dizendo que ele não estava levando à sério, que eu estava dando o melhor de mim, etc etc. Não importava o que eu dizia, o maldito sorriso piedoso não saia do rosto dele e tudo o que ele fez foi se aproximar e me dar um beijo na testa. Que raiva!

No dia seguinte fui para a aula. Os outros alunos começaram a se apresentar. Eles não tinham a menor vergonha e sabiam exatamente o que estavam dizendo. Fiquei intimidada. Mas eles falavam tão rapido e tão monocorde que na verdade ninguém estava realmente prestando atenção. La fui eu. Quando comecei a falar quebrei a morosidade da sala de aula e involuntariamente obtive a atenção geral. Razões: 1- Falava devagar, palavra por palavra; 2- Usava o vocabulario mais simples pra explicar um assunto super complexo, o que lembrava uma criança de 10 anos; 3- Falava bem alto (tenho certa tendência a falar mais alto do que pretendo). Tentei me concentrar no que estava dizendo. Uma trapalhada so. Esquecia as palavras, me perdia completamente. Em um momento houve um silêncio aterrador, parecia que eu fiquei calada por uma eternidade e tudo o que conseguia pensar era, diz alguma coisa, cacete! Sem contar com a minha brilhante conclusão de uma frase: "Mas isso não é importante". Todo mundo riu achando que era piada. Dai quando eles viram que continuei séria, a graça acabou rapidamente.

Foi ai que aconteceu. No meio de um raciocinio, fui olhar para a turma pra ver se eles estavam acompanhando bem e me dei conta de que todos eles tinham exatamente o mesmo sorriso de piedade e a mesma cabeça de ladinho que meu namorado na véspera! E tenho certeza de que se não fosse completamente fora das regras acadêmicas e sociais, cada um deles iria se levantar e me dar um beijo na testa.

Resumindo: catastrofe total. Mas sabe que depois fiquei mais tranquila? Porque eu pensei, pronto, dessa vez sim não tem como ser pior! Então da proxima vez por pior que seja ja vai ser melhor do que essa. E eu tinha razão! Essa semana apresentei o segundo trabalho e fui muuuuito melhor! Acho que a expectativa do pessoal estava tão baixa, que todo mundo me elogiou depois.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Primeiro dia de aula

Estava nervosa, frio na barriga. Sentei na ultima fileira, bem do lado da porta - saida de emergência, nunca se sabe... A professora atrasou 20 minutos e durante todo esse tempo a turma ficou sentada e muda, como se estivéssemos fazendo prova. Se um dos 80 alunos ousasse falar com seu vizinho, cochichava pra não quebrar o silêncio. Eu não quis ser diferente e fiquei quietinha esperando a prof chegar. Pois ela chegou e depois de 5 minutos de apresentações soltou: "A primeira fileira esta vazia. Esse pessoal que senta atras tem que perder essa mentalidade de colégio e amadurecer um pouco! Vocês estão no mestrado e escolheram estar aqui por conta propria, ninguém obrigou". Ai ai ai, levei uma bronca logo de cara. Todos os alunos olharam pra tras pra ver bem os relaxados.

Chamada. Ela disse que não fazia, mas como era o primeiro dia ia fazer. Sabia que a ordem alfabética era pelo sobrenome, e não pelo nome como no Brasil. Pensei "O meu é L então vai ser na metade". Estava concluindo esse pensamento quando ouvi chamarem meu outro sobrenome, aquele que começa com A e que eu nunca uso. Opa! Mas é pra responder o que? Presente? Aqui? Eu? "Moi! Moi! C'est moi!" , disse sacudindo os braços. E fiz questão de dizer bem alto antes que ela reclamasse que eu sentei no fundo e ainda queria falar baixo. Não queria levar minha segunda bronca. Todo mundo olhou pra mim e eu não entendi porquê. Depois eu fui percebendo que ninguém responde nada durante a chamada, so levantam educadamente a mão.

Quando a aula começou de verdade fiquei super feliz porque me dei conta de que aquilo era exatamente o que eu queria fazer. Isso é o que eu amo, geopolitica. Parecia que ela lia meus pensamentos: "O motivo principal de vocês estarem aqui é terem vontade de entender um pouco mais o mundo". Tudo é muito mais complexo do que pensamos e isso que é interessante.

Cheguei la às 8h da manhã e sai as 18h. No fim do dia, ja não aguentava mais! Tivemos aula de 13 às 18h SEM PAUSA! Oh-là-là! No Rio eu estudava 4h por dia, mas todo dia. Aqui eles tentaram concentrar tudo num dia so pra facilitar a vida de quem mora longe (eu). Mas não sei se foi uma boa idéia não, no fim parecia que o professor tava falando em chinês. E graças ao primeiro bebê que cuidei na França que quase fez com que eu quebrasse a coluna, não aguentava mais de dor por ficar sentada o dia todo. Peguei metro lotado e 1:15h depois cheguei em casa e dormi cedo como ha muito tempo não fazia.

amigos 0 broncas 1

sábado, 4 de outubro de 2008

Abaixo às domésticas!

A maior diferença entre Brasil e França, para mim, com certeza é a grande igualdade social so segundo (claro que não é perfeito, as periferias de Paris estão cheias de excluidos, mas comparado com o Brasil ta muito bom). Aqui, o pedreiro da obra ganha quase o mesmo que o engenheiro. Eu, por exemplo, conseguiria sobreviver no Rio com um salario de baba, pagando apartamento e todas as outras contas? Um reflexo imediato dessa igualdade é um fato que deixaria as madames brasileiras de cabelo em pé: na França não existe empregada doméstica. Existe sim, faxineira, paga 13 euros por hora, mas empregada que dorme na casa, faz comida, limpa a casa, cuida das crianças, ha-ha!

Abra os classificados imobiliarios de algum jornal brasileiro. Todos os apartamentos têm dependências de empregadas. E a prova maior da desigualdade social no pais. Honestamente, eu sinto vergonha dessas coisas. O pior é que ninguém quer ver essa situação, pois até quem defende a igualdade, os direitos humanos, um discurso todo de esquerda, muito bem decorado, tem la, a sua empregadinha pra recolher suas meias do chão. Na França isso tem um nome: escravidão.

Eu como baba trabalho 10 horas por dia na casa dos outros, mas chega 7h da noite fico feliz de poder voltar pra minha casinha e fazer o que quiser. As empregadas do Brasil que moram com seus patrões não têm nenhuma liberdade 24h por dia! Mas ai ouço os patrões se defenderem dizendo que quando chega o fim de semana, elas preferem nem ir pra casa. Mas isso é mais triste ainda! Imagina o estado da casa delas, se elas preferem nem voltar la! Se elas vivessem em condições dignas, com certeza gostariam de ir. "São praticamente da familia", dizem eles. Não, não são.

Não estou dizendo que a culpa é dos patrões. A culpa é do sistema em que vivemos. So estou querendo mostrar o que ninguém quer ver. To um pouco revoltada hoje. ;)

Empregada é um mal necessario? Ouvi dizer que o minimo que devemos como seres humanos é sermos capazes de limpar nossa propria sujeira.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Coisas da profissão...

Bom, para quem não sabe, o meu trabalho em Paris é um pouco diferente da area em que me formei no Brasil: baba. Nounou em francês. Alias, as primeiras palavras que aprendi nessa lingua nova foram todas relacionadas a isso - chupeta, fralda, mamadeira... Adoro meus bebês! Passo muito tempo com eles e pude perceber de perto algumas grandes diferenças no cuidado dos pequenos.

Acho que muita gente sabe que no Brasil as mulheres recorrem mais à cesariana do que nos paises desenvolvidos. Aqui, como os hospitais são publicos (e de boa qualidade, diga-se de passagem) as mães não podem escolher, cesarea é so em caso de risco. Por outro lado, uma coisa que me surpreendeu quando cheguei, foi que as mães não amamentam! Esse mito brasileiro de que a prova do amor da mãe é a amamentação não é muito popular pela terra do croissant. Por causa do grande incentivo do governo brasileiro, eu achava que era uma coisa fundamental, tipo um senso-comum global. E mais surpresa fiquei eu em ouvir os motivos. Hoje na TV vi um programa em que duas mulheres justificavam sua escolha de amamentar seus bebês. Então compreendi que muitas acham que o aleitamento tem algo de sexual! Tem umas até (não muitas, como disse a médica da tv) que preferem tirar manualmente o leite e pôr na mamadeira so pra não ter esse contato "carnal com o bebê", nas palavras dela. Chocante, não é? A apresentadora soltou pérolas como, "as mulherem que amametam não devem ser julgadas, mas apoiadas" e "os seios podem ter duas funções distintas, uma mais conhecida do que a outra". Nem preciso dizer qual a mais conhecida, né? Acho que esses franceses estão confundindo as funções originais do corpo... Se os homens gostam de seios grandes é porque, em um nivel instintivo, eles acham que os filhos vão ser bem alimentados. Sinto muito em dizer isso, meninos, mas se vocês gostam de bundão é porque vocês acham que a mãe dos seus filhos tem um bom "espaço" para ter um parto saudavel.

Uma outra grande diferença é a hora de dormir dos bebês. No Brasil, pobre dos pais, que ficam embalando os pequenos até eles cairem no sono. Haja coluna! Aqui é mais simples. Coloca no berço, apaga a luz e fecha a porta. Pessoalmente, acho essa tatica muito melhor, pois ensina a criança a conviver com ela mesma. Além de dar aos pais mais uns minutos de sossego. Medo de escuro? Nunca vi por aqui. Ninguém fica colocando medo nas crianças, dizendo que o monstro vai pegar se ela não fizer isso ou aquilo.

Em Paris eu também vejo mais participação dos pais (homens) na vida das crianças. Eles cuidam delas tanto quanto as mães. Na rua vejo muitos homens empurrando carrinho de bebês e brincando com eles nos parques.

OBS: Não tenho acentos agudos no meu teclado! Exceto o é. Quem tiver alguma dica...

****Depois de um tempo morando na França, entendi melhor porquê as francesas não amamentam e sou muito solidaria às suas escolhas. Assim como mudei de opinião sobre a justificação biologica sobre as preferências fisicas dos homens.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Laicidade

Uma vez encontrei uma freira nigeriana e ela me contou sobre sua frustração com a França. Disse que imaginou que aqui fosse um pais de tradições catolicas, por causa de toda sua Historia e de suas raizes. Quando a freira chegou em Paris teve uma grande decepção ao ver que a religião não ocupa um lugar importante na vida das pessoas. E pior: ao entrar nos prédios publicos (prefeitura, policia, bibliotecas, universidades, hospitais, etc) é obrigada a retirar todo e qualquer traço religioso, como cruzes, véus e suas roupas de freira. A regra vale para todas as crenças e houve uma grande polêmica principalmente por causa do véu muçulmano na época da criação da lei, em 2004.

Ha muito tempo que a França não é oficialmente um pais catolico. Desde 1905 ela é um pais laico, ou seja, vida politica é uma coisa e vida religiosa é outra completamente diferente e uma não mete o bedelho na outra. As igrejas podem continuar funcionando normalmente, desde que paguem seus impostos em dia. Os politicos não ousam incluir deus em seus discursos como faz George Bush a cada cinco minutos, se dando ao trabalho de justificar sua guerra santa. A laicidade é um valor muito importante para a Republica Francesa e para os franceses em geral. Ha uma grande mistura de religiões no pais, o que é dificil de provar, ja que o governo não mantém dados estatisticos sobre crenças, nem sobre posições politicas e raças, essa ultima considerada inexistente pela maior parte da população (falar em raças é sinonimo de extrema-direita). E bom lembrar que os ateus são muito numerosos na França, mais de um quarto da população não acredita em deus. Na corrida das religiões, o catolicismo chega em primeiro, mas é aquele catolicismo que os brasileiros conhecem bem: preguiçoso... Depois vem o islamismo, cada vez mais numeroso. E por fim alguns judeus e protestantes.

Os franceses tremem com a idéia de que no Brasil alguém possa ser julgado dentro de uma sala com uma cruz pregada na parede. E se o réu for ateu, por exemplo? Não sei é pensamento de brasileira, mas eu acho, apesar de defender 100% a laicidade no Brasil, que a opinião do juiz não vai mudar de acordo com a religião do réu. Porque no Brasil também existe um sem-fim de religiões e o que é mais grave: as pessoas têm mais de uma religião! Isso deve ser fato inédito no mundo. A explicação deve ser provavelmente que os brasileiros não levam a religião tão à sério como no resto do planeta. Acreditam no que lhes convém e se aparecer uma igreja nova que diz o que querem ouvir, opa, estamos ai. O que põe o banquete dos oportunistas, mas isso é outra historia. Por um lado é positivo esse "desgarro" brasileiro: a gente sabe que nunca teria uma guerra por causa disso. Ninguém esta disposto morrer em nome de deus em terras tupiniquins. Mas por outro mostra que não somos um pais sério! Tudo é samba-do-crioulo-doido, até a religião.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O francês e a arte de não usar pronomes

O que eu mais detesto na lingua francesa é a diferenciação que existe entre tratar o outro de vous ou de tu. Isso é um pé no saco! A boa etiqueta diz que devemos chamar de vous (ou vouvouyer: sim eles têm um verbo para isso!) as pessoas mais velhas, os desconhecidos, os contatos profissionais e afins. E devemos chamar de tu (tutoyer) as crianças, os amigos, a familia, enfim, os proximos. So que eu tenho um sério problema em saber diferenciar um grupo do outro! Olhando assim, parece até facil, mas quase todas as pessoas se encaixam em mais de uma categoria! Ja passei muito vexame errando o pronome. Ja "vouvoei" amigos dos amigos em um bar, ja "tutoei" idosos na rua... Uma gafe atras da outra. Dai pensei que se fosse pra errar, que errasse pela educação e passei a chamar todo mundo de vous. Mas percebi que estava exagerando quando, por causa do habito, chamei de vous uma menina de 5 anos que olhou pra mim com cara de espanto e quando "vouvoei" um grupo de comunista de meia-idade que so se chamavam de camarade fulano e repudiavam tanto quanto eu essa hierarquia verbal.

Decidi então mudar o plano: evitar ao maximo os tais pronomes nas frases. "Você quer café?" virou "Café?", "Você precisa de ajuda?" se transformou em "Posso fazer alguma coisa?" e assim por diante. Até que funciona melhor, mas da um trabalho! Tenho que formular as frases na cabeça antes de falar, so pra conferir se as palavras estão nos conformes. O segredo é esperar a outra pessoa soltar o pronome primeiro, dai depois é so copia-la e tutoyer ou vouvouyer de volta. Mas o problema é que os franceses às vezes também não sabem como tratar seu interlocutor. Descobri com desgosto que a técnica que achei que tinha inventado ja é usada ha muito pelos espertos franceses. Eles podem fazer dialogos imensos sem pronomes! E como estou apenas aprendendo a lingua e eles ja são intimos dela desde criancinha, é uma competição injusta. Acabo sempre soltando o pronome (o inapropriado, logico) primeiro.

O meu ponto forte é o ça va. Essa frase é otima pra isso. Quando encontro alguém pela primeira vez ja saio perguntando logo "ça va bien???" porque quando a gente pergunta tudo bem?, a outra pessoa é obrigada a responder, tudo bem, e você? De vez em quando me distraio e o outro pergunta ça va antes. Meeeerde!!!
Então quem estiver estudando francês ja sabe: atenção especial em fazer frases sem pronomes!

Porte Dorée


A cidade de Paris é dividida em 20 arrondissements. Apesar de ser uma divisão funcional, quadrada, eles foram tomando personalidade e todo mundo tem uma idéia pré-concebida de cada um deles. O 16 é o mais rico. O 10 é popular. O 13 é o chinês. O 12, bom, o 12 eu não sei o que as outras pessoas pensam, mas o 12 é o meu.

Nos limites da cidade, os cartiers (tipo mini-bairros) têm o nome de Porte de alguma coisa. Como se Paris fosse um grande castelo cercado de um muro com portas de entrada e saida. Morar em alguma Porta significa morar no limite de Paris, mais toujours Paris.

A minha porte é a Dorée. Moro aqui por pura sorte. Se não tivesse tido essa sorte, provavelmente estaria ha alguns quilometros de Paris poque não teria dinheiro para pagar aluguel em nenhum dos 20 arrondissements. A grande vantagem de Porte Dorée é que porta afora não tem cidade, tem floresta. O Bois de Vincennes é um parque enorme que considero meu jardim. Quando estou entediada vou dar uma andada la, correr em volta da Lagoa, respirar um pouco de ar fresco. E um verdadeiro oasis no meio dessa megalopole. O cartier é tranquilo, familiar, calmo. Tem restaurantes, alguns bares e tudo mais que é preciso ter por perto.

Por isso eu gosto tanto daqui: foi esse bairro que me acolheu quando cheguei na França, ha um ano e meio. E como trabalho (ou trabalhei até semana passada) aqui perto, passei quase todo meu tempo de França no 12éme arrondissement. Paris não é Notre Dame, Louvre ou nenhuma torre. Pra mim, Paris é Porte Dorée.
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