sábado, 30 de janeiro de 2010

Medicina de guerra no Haiti

O tratamento médico dado às vitimas do terremoto no Haiti deixou claro a diferença entre a medicina (e os valores) americana e a francesa. O jornal Le Monde publicou uma matéria na qual os médicos franceses denunciam o excessivo numero de amputações praticadas pelos americanos, em grande parte feitas sem necessidade. Eles reclamam que os profissionais norte-americanos se preocupam apenas com as estatisticas, com os numeros de pacientes tratados, não importando a qualidade do tratamento. Um médico parisiense argumentou que "a amputação é um gesto de salvação e de ultimo recurso, quando um membro esta esmagado ou condenado. Mas os americanos recorrem a ela sistematicamente, sem parar e pensar em uma outra solução, orgulhosos desses abates que lhes permite de exibir numeros impressionantes de pacientes".

As equipes francesas ficaram horrorizadas com casos de fraturas sendo tratados com amputações. E em grande parte dos casos, os pacientes eram dispensados 2h depois das intervenções, sem nenhum acompanhamento de recuperação, muito menos psicologico. Sophie Grosclaude, cirurgiã ortopedista francesa, disse que confrontou um médico americano dizendo que eles tinham material para tratar os ferimentos de outra forma, e o médico respondeu "Pra que? Esse é um pais pobre, não tem um acompanhamento médico sério, melhor amputar logo, é limpo e definitivo". A cirurgiã se disse chocada da opinião do americano, como se os haitianos fossem um povo pouco evoluido, que não merece a medicina ocidental.

A reportagem não traz a versão americana dos fatos, mas nao é dificil imaginar seus argumentos: eram muitos pacientes, situação de catastrofe - melhor salvar 100 vidas amputando todos, do que perder tempo curando 50, enquanto outros 50 morreriam ao lado. Os casos simples tratados com amputações teriam sido excessões, poderiam ter sido realmente erros médicos, mas teria sido o preço a ser pago para salvar outras vidas, os famosos "efeitos colaterais". Sim, esses argumentos são validos, mas por que so os americanos pensariam assim? Sera que os outros profissionais também não seriam capazes de julgar a gravidade da situação? Não acredito que a formação deles permitiria de perder tempo demais com um paciente em vez de salvar varios outros. Eles são muito preparados e não reclamariam à toa. Não tenho duvidas que outros aspectos contam muito mais nesse caso.

Eh um verdadeiro confronto de valores e a explicação esta na propria sociedade. Na França, o acesso à saude é um direito de todas as pessoas, inclusive os imigrantes, os pobres, os mendigos, os ilegais, os drogados. A saude é gratuita (principalmente para esses grupos mais carentes) e de qualidade. Os médicos franceses têm consciência de que fazem um trabalho social acima de tudo, que devem tratar todos os pacientes como iguais. Ja nos Estado Unidos, saude de qualidade é para quem pode pagar. Os médicos pedem o dinheiro antes de tratar os pacientes e se a pessoa não tiver, não é raro que ela morra no corredor ou a caminho de uma clinica publica, com profissionais menos qualificados.

Então se um médico francês vai para o Haiti com toda a bagagem social que recolheu na França, é logico que trate os pacientes como faz no seu pais. O médico americano ja vai com a ideia de que esta fazendo caridade, então o paciente tem a obrigação de ficar muito grato com a sua intervenção e boa vontade. Ele esta tratando pacientes gratuitamente e se não estivesse la, provavelmente a vitima morreria, então perder um braço passa a ser um detalhe.

Por causa do sentimento de superioridade americana, o Haiti esta condenado a ter uma geração de amputados, dificultando ainda mais o desenvolvimento do pais, que ja era tão fragil.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Vou de ônibus

Nao sei se é porque venho do Rio de Janeiro, mas uma das coisas que mais me impressionou em Paris foi a eficiência do sistema de transportes urbanos. A fama da praticidade do metro parisiense nao é à toa: ele serve a cidade inteira e nao é exagero dizer que tem uma escada de metrô quase em cada esquina da capital. So que eu meio que enjoei de viajar por baixo da terra... Apesar de ser eficiente, ele esta sempre lotado e muitas vezes tem problemas técnicos que nos deixa na mao quando estamos com pressa. Fora que nao da pra curtir a paisagem da cidade-luz. Entao eu resolvi me entregar aos ônibus e olha, nao me arrependi.

Pouca gente sabe que o sistema rodoviario francês é tao bom quanto o ferroviario. Vou explicar mais ou menos como funciona. Todos os ônibus sao publicos, nao existe aquela bagunça de empresas que estamos acostumados no Rio. A empresa que administra os ônibus é a mesma do metrô, a RATP, ou seja, o valor das passagens é o mesmo para qualquer tipo de transporte dentro de Paris. Quem mora aqui tem o passe Navigo, que custa cerca de 50 euros é valido pelo mês inteiro. Ao contrario do cartao de transporte do Brasil, que funciona por unidade, aqui na França ele é ilimitado.

As linhas sao organizadas e os trajetos de cada um sao bem estudados. Os motoristas so param no ponto. A RATP fornece um mapa com os itinerarios das linhas, o que facilita muito para um turista que nao conhece a cidade. No site da empresa da para a pessoa colocar os lugares de origem e de destino e o site da a melhor opçao de transporte, e nem sempre é o metro. Dentro do onibus um display avisa qual sera a proxima estaçao e um mapa com todos os ponto de ônibus também é afichado. Nao tem como se perder, mesmo se a pessoa nao conhece a cidade, nem fala a lingua. Imagina no Brasil, um turista pegando ônibus! Nao tem nenhuma informaçao de itinerario, nada! Nao se sabe nem onde descer.

Outra coisa legal é que muitos pontos de ônibus dizem em quantos minutos sua linha esta chegando. Mas como nao sao todos, a RATP lançou recentemente um serviço novo, o flashcode: a pessoa tira uma foto com o celular de um codigo especifico para cada linha, que esta exposto nos pontos, manda por SMS para a empresa e ela te diz em quanto tempo seu ônibus chega. De graça. Depois da pra gravar o codigo na memoria e usar quando precisar.

Acho que a maior dificuldade que o Rio vai encontrar pra sediar a Copa e as Olimpiadas é a organizaçao do sistema de transportes, que é muitissimo precario. As linhas de ônibus sao uma zona total e as vans entraram no meio, aproveitando uma demanda nao atendida pelas empresas. Os trens sao de pessima qualidade e a extensao do metrô chega a ser ridicula em relaçao ao numero de habitantes da cidade. Vamos ver se o governo, que até agora so pensou no bem-estar das empresas de ônibus, vai pensar um pouco na eficiência.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A cientologia na França

No mesmo dia que escrevi meu ultimo post, dizendo que a cientologia era proibida na França, recebi na rua pela primeira vez em quase 3 anos de Paris um panfletinho da tal "igreja". Putz, deu até um frio na barriga! Eh so falar mal que eles aparecem pra se exibir, é? Credo! Ta, eles me mostraram que eu estava errada e a Cientologia não é proibida por aqui. Satisfeitos?

Mas achei a propaganda tão interessante que escaneei pra colocar aqui no bloguinho:

"Livre-se do que te impede de atingir seus objetivos! (...)
Você pode aprender a controlar sua mente em apenas um fim de semana!"

Viu pessoal, a cientologia tem a chave da felicidade e so fica sofrendo à toa quem quer. Em apenas dois dias a gente pode aprender a se livrar do estresse, da falta de confiança, das contrariedades, dos medos e dos atos irracionais que cometemos, tudo isso por não conseguirmos controlar nosso mental reativo, que é a parte do nosso cérebro responsavel por todas essas coisas, segundo o panfletinho.

Diante de um absurdo desses (olha que eu ainda nem mostrei o verso) me perguntei por que diabos a França ainda não proibiu isso, e descobri que em junho do ano passado, o governo francês havia determinado a dissolução das duas maiores "igrejas" do pais, assim como o pagamento de uma multa de 4 milhões de euros e a prisão dos lideres. No entanto, em maio a lei havia sido modificada, impedido a dissolução de seitas pelo motivo de fraude. Os militantes anti-cientologia acusaram a organização de ter se infiltrado na politica francesa. Dai eu lembrei de um burburinho na época, quando eu ouvi falar sobre a saia justa do presidente Sarkozy diante das interrogações do seu amigo Tom Cruise sobre essa ideia maluca de fechar seu templo. Dizem as mas linguas que esse foi o real motivo da legalidade da seita.

Preparem seu senso de humor, vamos à segunda parte do panfletinho.

Ja mostrei o que a cientologia pode fazer por você, então vou passar essa parte repetitiva e ir direto pro que interessa. "Contribuição pelos 2 dias: 90". Noventa o que cara-palida? Assumam os EUROS que vocês estão cobrando! Achei interessante essa tatica de não escrever a palavra euros, deve ser pra não atrair o olho direto para o preço do "tratamento".

Agora o mais inusitado são as letrinhas pequenas. Elas começam dizendo que Cientologia, Hubbard e Dianética (nomes do curso) são marcas registradas, mais ou menos como eles fazem com os produtos de beleza - "o unico com Biosoft Pro-B ®". Dai eles explicam que o direito da marca é da empresa Religious Technology Center, que seria um centro de "tecnologia de cura espiritual". Sinceramente, não ta na cara que isso é uma tentativa de ser uma igreja catolica dos tempos modernos? Os dez mandamentos não enganam mais os moderninhos, então vamos criar uma religião que os convença, que fale a lingua deles.

Mas eu penso que se fosse pra proibir a cientologia, teria que proibir todas as religiões. A igreja catolica é o maior exemplo de enriquecimento às custas de seus fieis e a igreja evangélica esta assumindo o posto. A grande pergunta é: Por que consideramos a cientologia como seita e o catolicismo como religião? Para mim, os dois são iguais. Quem tem o direito de julgar que o que eu acredito é mais verdade do que você acredita? Eh muito hipocrisia ser catolico e dizer, com toda arrogância do mundo, que os pobres coitados que seguem seitas sofreram lavagem cerebral. Pô, e nos não sofremos lavagem cerebral desde que nascemos, seja la em qual religião nascemos?

O eterno problema do ser humano é dividir todo mundo em nos e os outros. Nos sempre estamos certos, claro. Os outros é que são burros e não conhecem A Verdade. Enquanto isso, todas as igrejas faturam e a gente fica aqui perdendo tempo discutindo quem é mais legitimo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Mapas da liberdade religiosa no mundo


"As restrições govenamentais à liberdade de religião"

Pew Forum on Religion and Public Life, organismo de pesquisa independente sediado em Washington, fez um estudo sobre a liberdade religiosa no mundo e o resultado é bem interessante: cerca de 70% da população mundial vive em paises onde as restrições religiosas são consideradas severas ou muito severas. A pesquisa foi feita em duas parte, a primeira diz respeito às pressões do governo (mapa acima) e a segunda diz respeito às pressões sociais. Na primeira classificação, os paises muçulmanos foram maioria: Arabia Saudita, Paquistão, Irã, Egito, Argélia, Turquia e Indonésia. Mas a lista ainda inclui a Russia ortodoxa, a India hinduista, a China e a Birmânia budista. Na segunda lista os paises mudam, mas grande parte ainda é islâmica: Iraque, Afeganistão, Sudão e Somalia. Tem ainda o Sri Lanka budista e a India hinduista. Algo em comum? Todo são paises em desenvolvimento. Pobreza traz uma sociedade e um governo religioso ou uma sociedade e um governo religioso trazem pobreza?

O Brasil esta muito bem colocado no ranking de liberdade religiosa. No grafico abaixo, que mostra na vertical a pressão social e na horizontal a pressão do governo, podemos ver que dos paises presentes, ele é o mais liberal.



Ja a França não esta tão bem colocada assim. Mas eu acho que é por um bom motivo. Até onde a liberdade religiosa é boa? Sera que o governo deve deixar pessoas inescrupulosas engararem outras para extorqui-las em nome do direito de escolha? Existe um limite? Os Estados Unidos esta bem colocado na lista, mas porque permite aquelas seitas malucas que fazem lavagem cerebral nas pessoas. Aqui na França seitas são proibidas. E nessa classificação estão diversas religiões muito presentes no Brasil, como a cientologia, a sara nossa terra e até o espiritismo.

E ai, o que vocês acham? Liberdade religiosa deve ter um limite?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Relaçoes Internacionais

Nao, esse nao é um post sobre os acordos politicos entre as diferentes naçoes do mundo ou sobre as brigas ideologicas entre os Estados. Mas nao é tao longe disso, pra falar a verdade. Hoje vou falar um pouco das aventuras e desventuras de namorar um estrangeiro (ué, mas aqui na França a estrangeira nao sou eu?).

Eu ja falei que entre uma brasileira e um francês nao existe grandes abismos culturais. Poxa, o cheri usa garfo e faca para comer, se veste com calça jeans, toma banho diariamente (sim!!!!!!). Mas como confiar numa criatura que nao conhece Ilariê? Que nunca brincu de passa anel? Que nunca ouviu falar dos Mamonas Assassinas? Sei nao, viu...

Mas ao mesmo tempo que é um pouco decepcionante que ele nao conheça quase nenhuma das minhas referências infantis, é legal explicar quem é quem e contar a historia de cada coisa que me marcou. Tudo bem que ele ainda nao conseguiu entender a magnitude que a Xuxa representa para a minha geraçao, ele vive comparando ela com uma francesa aguada que tinha um programa infantil na televisao na época dele: nao é a mesma coisa. Muitas vezes temos a surpresa de ter tido coisas em comum (ah, a globalizacao!) tipo o Sonic ou a lambada. Eh legal quando a gente encontra afinidades sobre o passado pra conversar: nos dois tivemos o album de figurinhas dos Cavaleiros do Zodiaco! Incroyable!

Lembro quando estavamos no Brasil, vendo um filme brasileiro, e o cheri começou a tirar o maior sarro da interpretação do ator. Ele estranhou que eu fiquei olhando com os olhos grandes e a boca aberta e so consegui dizer "mas, mas, é o Antônio Fagundes!". Nos, brasileiros, ja nascemos elogiando a performance do Antônio Fagundes e qualquer critica à sua interpretação é pura blasfêmia. Cheri não quis saber e continuou dizendo como a atuação era obviamente amadora e que a produção parecia coisa de novela mexicana, para o meu total desnorteamento.

Eh um pouco injusto, porque eu ja conhecia algumas personalidades francesas antes de chegar na França, mas o cheri não conhecia nenhum brasileiro a não ser o Lula e o Milton Santos. Então, sim, é verdade que por um lado eu sinto falta de dizer "Ei, você viu?, fulano morreu!" e ver uma reação à altura da importância da informação, sem precisar explicar quem era fulano, o que ele fazia e porque ele era importante. Mas por outro lado, aprendo tantas coisas através da experiência dele, da experiência que não pude ter simplesmente porque vivia no Brasil, que é como se nos dois somados tivessémos vivido duas vezes.

Sem contar que, por causa dessas coisas, nunca falta assunto aqui em casa.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Utopias e liberdades

Tenho a impressao de que na França existe bem mais comunistas do que no Brasil. Digo, comunistas de verdade. Eu ja fui em algumas reunioes aqui em Paris e fiquei impressionada com a seriedade do pessoal. Eles nao sao jovens rebeldes que lutam contra o sistema ou qualquer forma de opressao; eles sao pessoas de meia-idade, que vivenciaram guerras (a da Argélia, por exemplo) e que acreditam de verdade, a partir de muito estudo, leitura e reflexao, que o comunismo é a melhor forma de conduzir um pais.

Bom, eu tenho minhas duvidas. Acho que o ponto mais fraco do comunismo é, sem duvida, a perda da democracia. O principio teorico é otimo, mas ele atropela um dos direitos mais importantes: o da liberdade de escolha. Até aceito que todos tenham as mesmas roupas, porque nao ligo para moda e acho que ter 10 pares de sapatos é um exagero inutil. Mas nao me conformaria em ter que abrir mao de outras coisas, como poder ir embora se eu quiser, de largar tudo e ir viajar, de sair do sistema se me der na telha (no nosso capitalismo a prisao é mais psicologica, mas é possivel de sair). Também  nao gostaria de ter a comida racionada.

Acho também que a igualdade total entre as pessoas é impossivel. Digo isso por experiência propria. Eu e cheri passamos duas ou três semanas em uma comunidade no meio do nada, no Chile. Eles eram um grupo de jovens que plantavam, construiam suas casas, faziam banheiros respeitando o meio ambiente e recebiam outras pessoas por algumas semanas. A ideia era todo mundo ajudar um pouco, cada um fazendo um trabalho. Foi bem interessante, mas logo nos sentimos injustiçados. Tinha um cara que ficava tocando violao o tempo todo e quando a gente perguntava se ele nao ia trabalhar, ele respondia com um sorriso enorme no rosto que ja estava trabalhando, que a musica era um trabalho nobre, uma arte a ser respeitada, alimento da alma, bla bla bla. E eu me perguntei: por que eu tinha que catar bosta de vaca (sério!), enquanto ele ficava tocando violao? E rapidamente esse cara, que era um dos locais, foi se transformando em um ditadorzinho, distribuindo ordens. So nao foi mais longe porque a gente nao deixou. Ai é que esta a falha: todos os homens sao iguais, mas alguns sao mais iguais do que os outros.

O comunismo confia demais no lado bom das pessoas. Por outro lado, o capitalismo entrega tudo pro lado ruim delas, sem hesitaçao.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Caça aos piratas

Três culpados, segundo a Hadopi: culpada de não ter securizado sua rede wifi, culpado de ter confiado nos filhos durante 5 minutos na internet e culpada por não ser uma engenheira em informatica

Ja ouviram falar na lei Hadopi? A sigla que significa Alta Autoridade pela Difusao das Obras e pela Proteçao dos Direitos na Internet é uma lei ja aprovada que pretende controlar os downloads na internet francesa. Basicamente, o sistema quer rastrear as pessoas que baixarem arquivos ilegais e as punir. Na primeira vez, o usuario recebe um email de aviso; na segunda, chega uma cartinha na casa dele; na terceira sua conta de Internet é suspensa (mas ele continua pagando, pra nao prejudicar as empresas, of course).

Eh claro que desde o inicio a proposta foi muito criticada, pela regressao que ela representa nessa era virtual onde tudo é permitido. A direita a favor, a esquerda, contra, como ja era de se esperar. O curioso é que os artistas, geralmente de esquerda, pela primeira vez apoiaram o outro time e fizeram coro com os conservadores. Lembro que na primeira tentativa, a lei Hadopi nao passou na Assembleia: segundo a direita, a oposiçao se escondeu atras das pilastras (?) pra fingir que eram menos numerosos e assim incentivar os conservadores a irem embora, certos de que seu time ia ganhar. Dai na hora da votaçao, zas!, a esquerda apareceu em massa e conseguiu impedir a lei. Juro que vi uma entrevista com um respeitavel politico revoltado na TV, explicando a tatica de seus colegas em se esconder, bem digno de crianças do maternal reclamando com a tia. Nao pude acreditar no ridiculo da situaçao. O programa de TV aproveitou bem o gancho e fez uma simulaçao hilaria dos politicos atras das pilastras, com suas barrigonas aparecendo e rindo com a mao na boca "hihihihi".

Bom, dois meses depois a lei foi votada de novo e a direita, mais espertinha dessa vez, conseguiu aprovar a medida. Isso foi em setembro. Mas desde la, a proposta da lei foi altamente contestada. Até a Uniao Europeia se intrometeu dizendo que impedir o acesso à internet é praticamente um desrespeito aos direitos do cidadao, ja que nos dias de hoje nao da mais pra viver sem. Questoes sobre a eficiência do rastreamento também foram levantadas. E se a pessoa baixar um arquivo ilegal com a internet wi fi do vizinho? E se um haker clonar um IP? Mas mesmo com todas essas duvidas, foi definido que a lei entraria em vigor dia 1° de janeiro de 2010.

Por via das duvidas, meu computadorzinho trabalhou bastante nos ultimos dias de 2009. Estranhamente, nao ouvi falar mais na lei Hadopi. Sera que eu era a unica preocupada em ter a internet cortada? Mas dai achei uma matéria explicando que a medida esta atrasada e no melhor dos casos, vai entrar em vigor so na primavera. A comissao Hadopi anda caladinha, talvez envergonhada do mal começo da operaçao. Ca pra nos, quem acha que uma lei estupida dessas pode dar certo? Engraçado que eles dizem ter se inspirado em medidas similares de grande sucesso nos EUA e na Inglaterra, porque todo mundo sabe que os americanos e os ingleses nao fazem downloads ilegais, né? Mas eles insistem. Segundo o jornal Rue 89, ja alugaram um escritorio de 1.107 m² onde todos os SETE funcionarios poderao trabalhar tranquilamente, cada um nos seus 150m² (e eu no meu apartamento de 23m²...). O aluguel anual chega a bagatela de 487 mil euros e o projeto Hadopi vai ter um orçamento total de 5,3 milhoes de euros em 2010, o equivalente a quase 15 milhoes de reais.

Eu acho é que eles so vao conseguir mesmo é aumentar os downloads, pois até a primavera todo mundo vai dobrar o ritmo, com medo de ser proibido depois. Dai na primavera, a lei vai ser adiada de novo, por falta de meios tecnicos seguros (alguém tem alguma duvida?) e o povo vai continuar o intensivao de downloads, so pra garantir, né?, nunca se sabe.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Vacina or not vacina?

Os politicos franceses, leitores assiduos aqui do bloguinho, é claro, gostaram muito da minha ideia de revender as vacinas da gripe A e decidiram por a mão na massa. Domingo passado o governo anunciou a venda do excesso de vacina para os paises pobres, dizendo que poxa, não é justo manter todas as vacinas aqui com a gente enquanto tem nações mais carentes que não conseguiram comprar nenhuma dosinha quando a gente entrou em pânico achando que o virus ia matar metade dos terraqueos e resolveu comprar todos os antidotos disponiveis, aproveitando do nosso poder e riqueza. Agora que vimos que fizemos papel de bobos, ja que a doença não é tão devastadora assim, mostramos toda nossa generosidade vendendo nossos estoques dessas gotas sagradas para vocês, pobres, que não conseguiram comprar antes. Com juros claro.

Os numeros são enormes. O governo francês gastou 869 milhões de euros na compra de 94 milhões de vacinas. Mas somente 5 milhões de pessoas se vacinaram. E foi comprovada a eficacidade da dose unica, ou seja, não é necessario tomar a vacina novamente depois de 20 dias, como teria sido cogitado. Não precisa ser um gênio da matematica pra ver que tem vacina pra caramba sobrando e o governo não vai deixa-las mofando no canto enquanto perde seu rico dinheirinho. A ordem é passar o problema pra frente. A França não é a unica, outros paises ricos também ja estão dando um jeito de se livrar de suas doses. A Alemanha, que havia comprado 50 milhões (e apenas 6 milhões de pessoas se vacinaram), ja conseguiu vender 20 milhões; A Holanda comprou 34 milhões, mas revendeu 19 milhões ja em novembro, olha que esperta.

Eu acabei não tomando a vacina, mas foi mais por negligência do que por decisão. Amanhã eu decido, amanhã eu decido e acabei não tomando nunca. Acho que vou passar a dizer que depois de muito refletir e debater com especialistas, achei mais seguro não me vacinar. Eh mais honroso. Sequer vou falar do meu medo de agulhas. Mas olha, se eu pegar essa gripe vou ficar fula da vida. Ai, quem sabe eu não deva me vacinar de vez...? Bom, amanhã eu decido.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Top 10 - Retrospectiva 2009

10- Neve
Foi no inicio de 2009 que eu vi neve pela primeira vez em Paris. E olha, foi bastante, o suficiente para fazer bonecos e algumas batalhas. Dai veio a primavera, o verao, o outono e opa, a neve novamente! Esse ano ela se antecipou e chegou antes do natal, incrementando ainda mais a decoraçao ja lindona. Foi uma nevasca em toda a Europa, varios paises que, como a França, nao estao acostumados com a neve, tiveram problemas de transportes.

9- Criminosos heroicos
Esse ano, dois criminosos chamaram atençao dos franceses. O primeiro foi Jean-Pierre Treber, um guarda florestal acusado de assassinar duas mulheres, que fugiu da prisao e conseguiu se esconder mais de dois meses na floresta. O curioso é que ele tinha uma tatica de marketing: ele enviava cartas para a imprensa clamando sua inocência, elas eram publicadas e a populaçao começou a simpatizar com o cara. Acabou preso em um apartamento. O segundo caso foi Toni Musulin, um motorista de um carro-forte que desapareceu com 12 milhoes de euros. Imediatamente se formou uma torcida para o Toni, todos os franceses queriam que ele conseguisse fugir tranquilo com a sua grana. Mas logo 10 milhoes foram achados num deposito e alguns dias depois ele se entregou. Pode ser condenado a 3 anos de prisao, pois nao houve armas nem violência no seu crime. Mas perai, cadê os outros 2 milhoes?

8- Copenhagem
O fiasco do ano. Mas se a conferência em si nao foi um grande sucesso, o ano de 2009 foi um grande passo para o meio ambiente. Nunca se falou tanto em proteçao da natureza e parece que os politicos finalmente entraram na dança. Na França, foi a primeira vez que o Partido Verde conseguiu um resultado tao positivo, para desepero do petit Nicolas. Alias, no ultimo dia do ano, Sarkozy teve uma derrota politica justamente na questao ambiental: o imposto Taxa Carbono foi vetado pelo congresso, pois as grandes industrias, ou seja, os grandes poluidores, ficariam isentos da multa. Ja nao da mais pra brincar com o meio ambiente, Sarko, volta pro seu plano de destruir as universidades publicas que você tem mais chances em 2010.

7- Greve nas universidades
Reformas na educaçao na França nunca vêm sem luta. Ja no inicio do ano, aconteceu uma greve geral nas universidades que durou praticamente um semestre inteiro. O governo atual quer dar mais autonomia para as universidades, e a oposiçao, junto com os estudantes, previu o inicio de um processo de privatizaçao das faculdades. Hoje o vestibular (bac, como eles chamam) é unificado e se você passar, tem uma vaga garantida em um estabelecimento e é tudo publico, so tem que pagar as inscriçoes no inicio do ano. Sarkozy ja deixou claro que o modelo de universidade que ele admira é Harvard e Cambridge, que, olha so, custam um apartamento no Brasil por ano.

6- Identidade nacional francesa
A direita francesa se mostrou bem motivada nesse ano que passou em defender a identidade nacional, que nem eles sabem definir muito bem. O que é ser francês? Ser branco, catolico, falar a lingua sem sotaques, carregar uma baguete debaixo do braço? Olha, esta cada vez mais dificil encontrar um estereotipo desses andando na rua. Essa polêmica anda de mãos dadas com as declarações anti-arabes do governo, como a possivel proibição da burca na França.

5- Acidente do voo AF 447
Episodio tragico que com certeza marcou os espiritos nao so de todos os brasileiros que moram na França, mas de todo mundo. Uma companhia reputada como a Air France ser vitima (?) de uma fatalidade (?) dessas so nos confirma ainda mais que nunca estamos seguros. O tratamento da midia foi chocante, como de costume, explorando ao maximo o sofrimento alheio e o desejo sordido voyeur das pessoas.

4- Gripe A
A paranoia do ano. Primeiro, todo mundo entrou em pânico. Depois todo mundo esnobou a vacina. Em seguida todo mundo debandou pros postos de vacinaçao. E agora parece que estao anunciando o fim da epidemia, que matou cerca de 200 pessoas na França, bem menos das milhares que se estavam especulando. A forma com que o governo francês lidou com a gripe A foi longe de ser exemplar, mas na verdade ninguém sabia o que ia acontecer, se o virus era poderosao ou se so tinha fumaça nessa historia. Agora vamos ver o que vao fazer com tanta vacina sobrando. Que tal vender tudo pros paises pobres?

3- A mao do Thierry Henry
Eu fiquei surpresa que esse assunto tenha tido tanta repercursao. Todo mundo julgando o Henry, como se ele tivesse matado um cara, sei la! Po, futebol é futebol, essas coisas acontecem, é normal. Mas so faltou crucificarem o coitado, falaram até de aposentadoria precoce, de expulsao da seleçao francesa, um exagero so.

2- Jean Sarkozy, o filho do dono
A França se chocou com a tremenda cara-de-pau dos Sarkozy, o pai e o filho. Jean Sarkozy achou que seu sobrenome era curriculo suficiente para ocupar um posto importante para o qual ele nao tinha nenhuma competência. A esquerda fez barulho, mas a direita se indignou igualmente. Foram muitas e boas piadas sobre o assunto, como "Ta vendo, quando o presidente se esforçou pra tirar um jovem suburbano do desemprego, todo mundo reclamou". Jean nao conseguiu ser presidente da OPAD, acabou sendo administrador, como prêmio de consolaçao.

1- Escândalo Polanski/Mitterrand
Se ja foi uma vergonha internacional que a França tenha defendido o estuprador Roman Polanski, o caso ficou ainda pior quando se descobriu que o ministro da cultura foi, ele mesmo, um pedofilo que fazia turismo sexual em paises pobres. Bom, ele nunca assumiu isso, disse que todos os homens com quem teve relaçoes sexuais na Tailândia tinham a sua idade, apesar de se referir a eles sempre como meninos, garotos e afins em sua autobiografia. Com o escândalo, cogitou-se uma demissao, mas com o apoio do presidente, Mitterrand conseguiu manter seu cargo.

E ai, pessoal, concordam com minha lista ou sera que esqueci alguma coisa?
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