terça-feira, 30 de setembro de 2008

Coisas da profissão...

Bom, para quem não sabe, o meu trabalho em Paris é um pouco diferente da area em que me formei no Brasil: baba. Nounou em francês. Alias, as primeiras palavras que aprendi nessa lingua nova foram todas relacionadas a isso - chupeta, fralda, mamadeira... Adoro meus bebês! Passo muito tempo com eles e pude perceber de perto algumas grandes diferenças no cuidado dos pequenos.

Acho que muita gente sabe que no Brasil as mulheres recorrem mais à cesariana do que nos paises desenvolvidos. Aqui, como os hospitais são publicos (e de boa qualidade, diga-se de passagem) as mães não podem escolher, cesarea é so em caso de risco. Por outro lado, uma coisa que me surpreendeu quando cheguei, foi que as mães não amamentam! Esse mito brasileiro de que a prova do amor da mãe é a amamentação não é muito popular pela terra do croissant. Por causa do grande incentivo do governo brasileiro, eu achava que era uma coisa fundamental, tipo um senso-comum global. E mais surpresa fiquei eu em ouvir os motivos. Hoje na TV vi um programa em que duas mulheres justificavam sua escolha de amamentar seus bebês. Então compreendi que muitas acham que o aleitamento tem algo de sexual! Tem umas até (não muitas, como disse a médica da tv) que preferem tirar manualmente o leite e pôr na mamadeira so pra não ter esse contato "carnal com o bebê", nas palavras dela. Chocante, não é? A apresentadora soltou pérolas como, "as mulherem que amametam não devem ser julgadas, mas apoiadas" e "os seios podem ter duas funções distintas, uma mais conhecida do que a outra". Nem preciso dizer qual a mais conhecida, né? Acho que esses franceses estão confundindo as funções originais do corpo... Se os homens gostam de seios grandes é porque, em um nivel instintivo, eles acham que os filhos vão ser bem alimentados. Sinto muito em dizer isso, meninos, mas se vocês gostam de bundão é porque vocês acham que a mãe dos seus filhos tem um bom "espaço" para ter um parto saudavel.

Uma outra grande diferença é a hora de dormir dos bebês. No Brasil, pobre dos pais, que ficam embalando os pequenos até eles cairem no sono. Haja coluna! Aqui é mais simples. Coloca no berço, apaga a luz e fecha a porta. Pessoalmente, acho essa tatica muito melhor, pois ensina a criança a conviver com ela mesma. Além de dar aos pais mais uns minutos de sossego. Medo de escuro? Nunca vi por aqui. Ninguém fica colocando medo nas crianças, dizendo que o monstro vai pegar se ela não fizer isso ou aquilo.

Em Paris eu também vejo mais participação dos pais (homens) na vida das crianças. Eles cuidam delas tanto quanto as mães. Na rua vejo muitos homens empurrando carrinho de bebês e brincando com eles nos parques.

OBS: Não tenho acentos agudos no meu teclado! Exceto o é. Quem tiver alguma dica...

****Depois de um tempo morando na França, entendi melhor porquê as francesas não amamentam e sou muito solidaria às suas escolhas. Assim como mudei de opinião sobre a justificação biologica sobre as preferências fisicas dos homens.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Laicidade

Uma vez encontrei uma freira nigeriana e ela me contou sobre sua frustração com a França. Disse que imaginou que aqui fosse um pais de tradições catolicas, por causa de toda sua Historia e de suas raizes. Quando a freira chegou em Paris teve uma grande decepção ao ver que a religião não ocupa um lugar importante na vida das pessoas. E pior: ao entrar nos prédios publicos (prefeitura, policia, bibliotecas, universidades, hospitais, etc) é obrigada a retirar todo e qualquer traço religioso, como cruzes, véus e suas roupas de freira. A regra vale para todas as crenças e houve uma grande polêmica principalmente por causa do véu muçulmano na época da criação da lei, em 2004.

Ha muito tempo que a França não é oficialmente um pais catolico. Desde 1905 ela é um pais laico, ou seja, vida politica é uma coisa e vida religiosa é outra completamente diferente e uma não mete o bedelho na outra. As igrejas podem continuar funcionando normalmente, desde que paguem seus impostos em dia. Os politicos não ousam incluir deus em seus discursos como faz George Bush a cada cinco minutos, se dando ao trabalho de justificar sua guerra santa. A laicidade é um valor muito importante para a Republica Francesa e para os franceses em geral. Ha uma grande mistura de religiões no pais, o que é dificil de provar, ja que o governo não mantém dados estatisticos sobre crenças, nem sobre posições politicas e raças, essa ultima considerada inexistente pela maior parte da população (falar em raças é sinonimo de extrema-direita). E bom lembrar que os ateus são muito numerosos na França, mais de um quarto da população não acredita em deus. Na corrida das religiões, o catolicismo chega em primeiro, mas é aquele catolicismo que os brasileiros conhecem bem: preguiçoso... Depois vem o islamismo, cada vez mais numeroso. E por fim alguns judeus e protestantes.

Os franceses tremem com a idéia de que no Brasil alguém possa ser julgado dentro de uma sala com uma cruz pregada na parede. E se o réu for ateu, por exemplo? Não sei é pensamento de brasileira, mas eu acho, apesar de defender 100% a laicidade no Brasil, que a opinião do juiz não vai mudar de acordo com a religião do réu. Porque no Brasil também existe um sem-fim de religiões e o que é mais grave: as pessoas têm mais de uma religião! Isso deve ser fato inédito no mundo. A explicação deve ser provavelmente que os brasileiros não levam a religião tão à sério como no resto do planeta. Acreditam no que lhes convém e se aparecer uma igreja nova que diz o que querem ouvir, opa, estamos ai. O que põe o banquete dos oportunistas, mas isso é outra historia. Por um lado é positivo esse "desgarro" brasileiro: a gente sabe que nunca teria uma guerra por causa disso. Ninguém esta disposto morrer em nome de deus em terras tupiniquins. Mas por outro mostra que não somos um pais sério! Tudo é samba-do-crioulo-doido, até a religião.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O francês e a arte de não usar pronomes

O que eu mais detesto na lingua francesa é a diferenciação que existe entre tratar o outro de vous ou de tu. Isso é um pé no saco! A boa etiqueta diz que devemos chamar de vous (ou vouvouyer: sim eles têm um verbo para isso!) as pessoas mais velhas, os desconhecidos, os contatos profissionais e afins. E devemos chamar de tu (tutoyer) as crianças, os amigos, a familia, enfim, os proximos. So que eu tenho um sério problema em saber diferenciar um grupo do outro! Olhando assim, parece até facil, mas quase todas as pessoas se encaixam em mais de uma categoria! Ja passei muito vexame errando o pronome. Ja "vouvoei" amigos dos amigos em um bar, ja "tutoei" idosos na rua... Uma gafe atras da outra. Dai pensei que se fosse pra errar, que errasse pela educação e passei a chamar todo mundo de vous. Mas percebi que estava exagerando quando, por causa do habito, chamei de vous uma menina de 5 anos que olhou pra mim com cara de espanto e quando "vouvoei" um grupo de comunista de meia-idade que so se chamavam de camarade fulano e repudiavam tanto quanto eu essa hierarquia verbal.

Decidi então mudar o plano: evitar ao maximo os tais pronomes nas frases. "Você quer café?" virou "Café?", "Você precisa de ajuda?" se transformou em "Posso fazer alguma coisa?" e assim por diante. Até que funciona melhor, mas da um trabalho! Tenho que formular as frases na cabeça antes de falar, so pra conferir se as palavras estão nos conformes. O segredo é esperar a outra pessoa soltar o pronome primeiro, dai depois é so copia-la e tutoyer ou vouvouyer de volta. Mas o problema é que os franceses às vezes também não sabem como tratar seu interlocutor. Descobri com desgosto que a técnica que achei que tinha inventado ja é usada ha muito pelos espertos franceses. Eles podem fazer dialogos imensos sem pronomes! E como estou apenas aprendendo a lingua e eles ja são intimos dela desde criancinha, é uma competição injusta. Acabo sempre soltando o pronome (o inapropriado, logico) primeiro.

O meu ponto forte é o ça va. Essa frase é otima pra isso. Quando encontro alguém pela primeira vez ja saio perguntando logo "ça va bien???" porque quando a gente pergunta tudo bem?, a outra pessoa é obrigada a responder, tudo bem, e você? De vez em quando me distraio e o outro pergunta ça va antes. Meeeerde!!!
Então quem estiver estudando francês ja sabe: atenção especial em fazer frases sem pronomes!

Porte Dorée


A cidade de Paris é dividida em 20 arrondissements. Apesar de ser uma divisão funcional, quadrada, eles foram tomando personalidade e todo mundo tem uma idéia pré-concebida de cada um deles. O 16 é o mais rico. O 10 é popular. O 13 é o chinês. O 12, bom, o 12 eu não sei o que as outras pessoas pensam, mas o 12 é o meu.

Nos limites da cidade, os cartiers (tipo mini-bairros) têm o nome de Porte de alguma coisa. Como se Paris fosse um grande castelo cercado de um muro com portas de entrada e saida. Morar em alguma Porta significa morar no limite de Paris, mais toujours Paris.

A minha porte é a Dorée. Moro aqui por pura sorte. Se não tivesse tido essa sorte, provavelmente estaria ha alguns quilometros de Paris poque não teria dinheiro para pagar aluguel em nenhum dos 20 arrondissements. A grande vantagem de Porte Dorée é que porta afora não tem cidade, tem floresta. O Bois de Vincennes é um parque enorme que considero meu jardim. Quando estou entediada vou dar uma andada la, correr em volta da Lagoa, respirar um pouco de ar fresco. E um verdadeiro oasis no meio dessa megalopole. O cartier é tranquilo, familiar, calmo. Tem restaurantes, alguns bares e tudo mais que é preciso ter por perto.

Por isso eu gosto tanto daqui: foi esse bairro que me acolheu quando cheguei na França, ha um ano e meio. E como trabalho (ou trabalhei até semana passada) aqui perto, passei quase todo meu tempo de França no 12éme arrondissement. Paris não é Notre Dame, Louvre ou nenhuma torre. Pra mim, Paris é Porte Dorée.
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