quinta-feira, 31 de março de 2011

Livro: Baise-moi


Comprei o livro da Virginie Despentes sem saber muito bem da grande polêmica sobre ele. Imaginei pelo titulo que fosse provocador e ja nas primeiras paginas vi que a autora tentava passar vulgaridade usando muitas, mas muitas girias pesadas. Mas não tinha ideia do que viria pela frente. Baise-moi em português significa... errr... "me fode". Se você é adepto da norma culta (enfim...) pode preferir "foda-me". Mas realmente acho que a primeira tradução combina melhor com o livro - fica até melhor que em francês com um erro de gramatica desses.

Eu definiria o livro como um Telma e Louise versão hard porn. Bem hard. E bem porn. Escrito por uma feminista. Eh o tipo de obra feita com a intenção de chocar e que é extremamente bem sucedida na sua proposta: choca. Não espere momentos de delicadeza, compaixão, reflexão, graça - eles certamente não virão. Baise-moi é uma historia violenta e crua, sem a menor intenção de poupar os leitores. As duas personagens principais são tão duras, que são poucos os momentos que simpatizamos com elas. Elas são frutos de um ambiente hostil e de uma sociedade falha, sem esperanças de virar o jogo por meios convencionais. São totalmente sem escrupulos e decidem se afundar de vez, não sem antes levar o maximo de pessoas com elas.

O grande mérito do livro é nos sensibilizar para a historia de amizade que nasce entre elas duas, porque se nos leitores não conseguimos nos identificar com elas, conseguimos perceber que as duas são feitas uma para a outra. O trecho do livro que melhor traduz essa amizade é mais ou menos assim (tradução minha):

"Quando elas riem é sempre igual e seus corpos muitas vezes se aproximam. Quando uma acende um cigarro, da um outro à sua comparsa, sem parar de fazer o que esta fazendo, naturalmente. Elas se interrompem o tempo todo, ou melhor, elas falam a duas bocas. Elas enchem sempre os dois copos, sem sequer notar. Elas usam as mesmas palavras, as mesmas expressões. Convivência quase tangivel. Elas parecem um animal de duas cabeças, sedutor afinal de contas. Fatima não consegue acreditar que elas se conhecem ha apenas uma semana. Ela não conseguiria lhes dissociar, imaginar uma sem a outra".
 
Uma outra faceta do livro é o espaço que a historia dedica ao sexo. As personagens são predadoras. Mas não aquele tipo de predadora que transa com um desconhecido e não liga no dia seguinte, a coisa é muito mais pesada que isso. A violência e o sexo são os elementos-chaves da historia inteira e eles são tão profundos que o resultado não é bonito de se ver. A narração incomoda. Com certeza tem um quê de vingança de gênero, quando por exemplo elas estão procurando um parceiro sexual e uma delas diz "eu prefiro que ele seja condescentente".
 
Baise-moi é uma historia feminina. As personagens principais não podem de forma alguma serem substituidas por homens. A historia fica na cabeça por dias. Não recomendado para almas sensiveis demais.

terça-feira, 29 de março de 2011

Recolhendo as expectativas

Adoro expectativas quebradas. Tanto quanto eu quebro, tanto quanto os outros quebram. Não tem nada melhor do que descobrir que o que parece não é, que o que eu tinha certeza é falso. Adorava a cara que as pessoas faziam quando eu (aquela menina doce e desengonçada, que demorava três horas pra comer) dizia que era a terceira melhor nadadora do Rio de Janeiro. Ou a expressão dos desconhecidos quando me viam com o cabelo raspado na rua. Ou o espanto dos amigos de rave: "Como assim você NÃO TEM tatuagem?".

As pessoas te conhecem e traçam uma linha que define o que você é e o que você não é capaz de fazer. Lembro quando eu era criança, colocava mentalmente meus amigos em situações imaginarias e tentava adivinhar suas atitudes, coisas bobas: sentar no chão da rua pra comer um sanduiche - a Camila não faz, nem a Fabi. A Elaine faz. A Soraia? Se eu fizer, ela faz também. E provavelmente eu acertava quase todas as respostas baseadas no conhecimento que eu tinha sobre meus amigos. Dai quando alguém fazia algo fora dos seus padrões, era tão legal! Olha la, fulana esta jogando futebol com os meninos! Eu sempre quis quebrar expectativas quando criança, mas so fui capaz de fazer isso na adolescência.

No fim do ano passado conheci uma brasileira, como dizer?, que cumpria todos e cada um dos estereotipos da brasileira gostosona. Mulata, altissima, corpão, cabelo afro ao natural, cheirosa, vaidosa, simpatica, sorridente. Um amor de pessoa. Super animada. A beleza dela era tão desconcertante que a gente até esquecia o que estava dizendo no meio da frase. Tipo assim, o sonho de qualquer carnavalesco. E o que a moçoila faz da vida? Modelo? Rainha da bateria? Cantora-atriz-manequim? Nada disso, ela é cientista. Simples assim. E eu daria tudo pra ver a cara dos gringos babões quando ela abrisse a boca pra dizer, de pernas cruzadas com uma taça de vinho na mão: "Sou cientista e estou concluindo minha tese sobre...". Recolhe o queixo, por favor.

Nada mais monotono do que pessoas que fazem exatamente aquilo que você acha que elas vão fazer. E o pior: ainda acham que é surpresa.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Quadrinhos - Tintin au Congo



Ja fazia tempo que eu queria ler Tintin au Congo, pois esse HQ é versão belga do nosso "Caçadas de Pedrinho". A historia não é a mesma, mas o contexto racista é. Tintin au Congo foi publicado pela primeira vez em 1930 em preto e branco, e conta a aventura do reporter Tintim no pais colonizado pela Bélgica. O album é completamente anacrônico aos nossos dias, tanto no tratamento dado aos negros, quanto no tratamento dado aos animais. Além de todos os preconceitos expostos, achei a historia fraca, desinteressante e datada.


Pra começar, os desenhos dos personagens negros são muito pejorativos. Bocas enormes, expressão de inferioridade, vestindo geralmente trapos (nem sempre). O francês que eles falam vem escrito errado, para poder mostrar bem seu sotaque e sua gramatica ruim. Até os animais falam um francês mais correto que eles. Todos os africanos bons são completamente submissos a Tintin e todos os maus têm inveja dele.


Tintin trata os animais com crueldade. Nota zero para a conservação da natureza e o respeito com os seres vivos. So pra citar alguns exemplos:

1- Tintin mata mais de uma dezena de gazelas para comer apenas uma. Vai embora e deixa uma montanha de animais mortos atras de si.
2- Para recuperar sua arma roubada por um macaquinho, Tintin mata um outro macaco, tira a pele dele e se disfarça para se aproximar do primeiro.
3- Tintin quer caçar um rinoceronte, mas sua carapaça é tão dura que as balas não fazem efeito. Então ele sobre numa arvore, faz um buraco nas costas do animal com uma ferramenta, coloca uma dinamite la dentro e explode o rinoceronte. So sobram dois chifres e Tintin diz algo como "ops! Acho que exagerei".


Eh claro que temos que levar em consideração o contexto e a época que a obra foi escrita. Esse tipo de pensamento era a norma, Tintin é apenas o reflexo daquela sociedade. Entendo. O que eu não entendo é o que o album Tintin au Congo continua fazendo nas prateleiras das livrarias. Sério que é isso que queremos que nossas crianças leiam? Uma historia racista, num contexto colonial, que trata os negros como animais e animais como lixo? Essa HQ deveria sair do hall infanto-juvenil para entrar na area de sociologia ou historia. Porque sim, acredito que ela pode nos ajudar a compreender melhor o passado e tal, mas não deve nunca ser tratada como uma historia qualquer. Simplesmente não é mais uma historia para crianças. Uma pessoa de 7 anos não deveria nunca ler Tintin au Congo, porque mesmo que a gente explique e ela entenda que aquilo não existe mais, algum resto dessas informações descabidas vai ficar la no subconsciente. E se for uma criança negra então, imagina o sentimento de inferioridade que ela provavelmente vai sentir?


Um protesto interessante foi feito na internet. Um site publicou uma nova versão da HQ mantendo os dialogos, a historia e os desenhos - a unica diferença é que o personagem principal, Tintin, aparece peladão em todos as cenas. O nome do novo album adaptado é Tintin au Congo à Poil. Os desenhos ja foram tirados do site oficial, mas estão pipocando na internet. Tem gente que diz que não é protesto, apenas uma iniciativa artistica, mas ora, por que escolheriam uma obra tão polêmica senão como uma forma de levantar debate? Outras pessoas interpretam que deixar Tintin sem roupa  tira o peso do racismo pra mostrar que o esquisitão é ele, e não os negros.


Eu gosto da ideia. Quem sabe daqui a pouco não aparece por ai um Caçadas de Pedrinho Peladão?

segunda-feira, 21 de março de 2011

Mocinhos e bandidos


E o mundo tem um novo inimigo. Kadafi é muito facil de ser odiado: aquela expressão antipatica no rosto, aquelas excentricidades, aqueles discursos arrogantes, aquela vaidade, aquela obstinação cega. Décadas no poder - perfeito, nos amamos odiar ditadores. E ele parece se encaixar tão bem no papel de vilão, que a gente atribui a Kadafi todos os defeitos do mundo, alguns até inexistentes.

Eh que nos temos essa mania de procurar bonzinhos e malvados em todas as historias. Então muitas vezes caimos no erro de acreditar que um malvado so vai fazer coisas mas e que todos os outros vilões estarão do lado dele. Foi assim que ouvi muitas pessoas falando na aliança entre Kadafi e Ahmadinejad, ou em como a Al Qaeda esta apoiando o governo libiano, ou no fanatismo religioso de Kadafi e em como ele fere os direitos femininos.

Não é bem assim. Pra começar, se tem uma coisa positiva na ditadura libiana é justamente esse afastamento da religião, tão atipico em governos islâmicos. E é justamente por isso que os radicais muçulmanos da região estão adorando o espetaculo da queda de Kadafi, pois eles têm fortes esperanças de instaurar um governo islâmico depois que essa bagunça acabar. Os indices sociais da Libia também não são tão ruins. O IDH, que mede a qualidade de vida da população, é mais elevado no pais africano do que no Brasil, por exemplo. A desigualdade social também é bem menor do que a nossa (alias, dificil achar um pais mais desigual que o nosso). E é por isso que Kadafi continua tendo apoio de alguns grupos de libianos.

Não me entendam mal, não defendo Kadafi. Até porque não existem argumentos para defender alguém que abre fogo contra a propria população. So estou querendo apontar alguns erros que temos tendência a repetir. Não ha mocinhos e bandidos, ha apenas decisões tomadas de acordo com a necessidade do momento. Alguns tomam decisões mais erradas (ou em nome de valores considerados injustos) do que os outros.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Gente da Australia - Asami

Nos cursos de inglês da Australia existem dois preços: um se você é asiatico e outro, bem mais barato, se você é brasileiro. Eles fazem tipo uma "promoção" (entre aspas porque mesmo o mais barato ja é super caro) para que as escolas não tenham apenas olhos puxados circulando pelos corredores. Foi assim que eu e a Asami, japonesa, assistiamos as mesmas aulas de Smart Talk e ela pagava o duas vezes mais do que eu.

Asami ficou apenas um mês e meio no curso, mas foi mais do que suficiente para virarmos amigas desde criancinhas. O curioso da situação, é que apesar da gente se dar tão bem e gostar tanto uma da outra, não conseguiamos nos comunicar direito, o mesmo que aconteceu com a Mariko. Mas a Mariko era meio elétrica, não tinha paciência pra tentar falar, mostrava logo sua frustração e arranjava um jeito de dizer o que queria, mesmo que tivesse que obrigar alguém a servir tradutor. Ja eu e a Asami realmente tentavamos nos comunicar com as armas que tinhamos: gestos, expressões, caretas, desenhos, dedos apontando, risinhos e risões e um inglês muito do arranhado, ja que era o iniciozinho da minha estadia no pais. Com o tempo, passamos a entender o que a outra queria dizer apenas pelas referências que ja tinhamos conseguido concretizar. Criamos praticamente uma linguagem propria com muita expressão corporal e poucas palavras.

E é engraçado o que faz duas pessoas sentirem uma amizade tão grande e uma super afinidade, mesmo sem conseguir conversar. Por que eu não sentia o mesmo em relação às outras duas japonesas que entrarm na turma junto com a Asami e que são amigas dela até hoje? Eh meio inexplicavel, mas a ligação que eu sentia (e sinto) com a Asami é bem mais do que uma questão de palavras. Os detalhes passam a ter muito mais importância e aquele teatro todo que montamos sobre a nossa personalidade pra apresentar pros outros não tem nenhuma utilidade. Não temos o poder de controlar qual face nossa vamos mostrar pras pessoas, porque isso so podemos fazer com as palavras. De nada adianta decorar historias interessantes onde você foi o heroi, ou discursos politicamente corretos ou incorretos, ja que o seu argumento mais consistente sera: "death penalty bad, very bad".

Nos somos amigas pelos detalhes - o jeito de se expressar, de rir, a vontade de tomar cerveja. Aquele tênis dela lindo com a bandeira jamaicana. O meu nome que ela escreveu em japonês no canto do caderno. O gosto pelos esportes. A comida coreana que comemos na casa de amigos. As risadas no zoologico em plena época de acasalamento dos animais. Os churrascos e pique-niques. A gente na minha casa se preparando pra sair ja atrasadas e ela dizendo brava "hurry up!, hurry up!". Nossa triste despedida. Minha tristeza depois que ela foi embora. Minha felicidade em saber que ela voltaria em poucos meses e que tinha escolhido mudar de cidade pra ficar perto de mim. Mais um mês com Asami.

O problema é que ela ficou pouco tempo na Australia e não foi suficiente pra aprender inglês. Então continuamos sem poder nos comunicar como gostariamos. E pelo computador ficamos muito mais limitadas, impossibilitadas de usar gestos, sorrisos e abraços. Mas a gente quer mostrar nossa afeição mesmo assim e como não temos as ferramentas necessarias pra dizer isso sutilmente, como "poxa, queria que você morasse mais perto de mim", ou ainda "ai menina, você é uma figura!", nossos dialogos são totalmente sem rodeios:

- I love you sooooo much!
- I love you too! I miss you very very much!!!!

Pronto, assim eu fico tranquila por mais uns meses - Asami ainda gosta de mim e nossa amizade continua firme.

Muitos pensamentos positivos pra minha japonesinha nesse momento dificil em seu pais.
I LOVE YOU...

domingo, 13 de março de 2011

E tudo volta ao normal

Pequeno post de domingo pra complementar o assunto da pesquisa de opinião favoravel à Marine Le Pen, candidata do Front National. Foram inumeras contestações ao método empregado pela Harris Interactive: escolha de uma candidata pouco popular do PS, questionarios feitos pela internet, entrevistados que teriam sido pagos para responder, etc, etc, etc.

No meio disso tudo, uma nova pesquisa foi publicada pelo jornal La Dépêche du Midi, feita dessa vez pela CSA, dando vantagem ao Partido Socialista. Satisfeitos agora? Nem vou falar que ja sabia porque fica chato, né? :) A diferença é que eles usaram o nome de outro canditato, o Dominique Strauss-Kahn. Então ficou assim: 30% para o PS, 21% para o Front National e 19% para a UMP com Sarkozy. Triste para o petit Nicolas.

YMCA? Não, Front National

Estou até torcendo pra continuar assim, porque como ja disse, o FN nunca vai ganhar uma eleição presidencial, pelo menos não nos proximos anos. Eles sequer têm um plano de governo, so sabem ficar repetindo aquelas baboseiras racistas pra tentar chamar atenção. Eles são apenas um partido que se sustenta em velhinhos que vivem repetindo "no meu tempo que era bom". Inofensivos. E mesmo supondo que ganhem, o que podem fazer pior do que esta fazendo Sarkozy? Apenas continuar sua politica de privatizações, enriquecimento dos ricos, cerco aos imigrantes e outras coisinhas que a UMP ja esta fazendo muito bem. Se o Front Nacional decidisse mandar embora todos os estrangeiros legais ou ilegais de uma vez, a economia cairia. Retorno da pena de morte como pregam? Dificilmente a sociedade francesa aceitaria. Proibição de abortos? Du-vi-do.

Se acontecer um segundo turno entre eles e o PS, é vitoria na certa para o PS. E seria muito bom ver Sarkozy completamente humilhado (mais ainda do que ele ja esta) no fim do seu mandato.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Quadrinhos - Poulet aux prunes



Sou a maior fã da Marjane Satrapi desde que li Persépolis, um dos meus BDs preferidos de todos os tempos. Ela praticamente pega na nossa mão e nos leva pra passear no Irã cada vez que abrimos um livro seu. Todo aquele universo muitas vezes incompreensivel e estranho é desvendado pelas palavras espirituosas e desenhos firmes de Satrapi. Aprendemos sem sentir, ja que a historia do seu pais é pano de fundo para suas obras. Ensinar sem esforço, pra mim, é o maior mérito que um autor pode ter. Em Broderies (Bordados), um livrinho que li em menos de uma hora, entendemos um pouco mais o cotidiano das mulheres iranianas. Elas conversam enquanto bordam e nos revelam um mundo de sutilidades - aquela velha historia de que o homem pensa que manda, mas que na verdade quem controla tudo são elas (tomara que um dia elas não precisem fingir mais). Mesmo o titulo da HQ tem duplo sentido, ja que bordado também é uma expressão pra designar a operação de revirginamento que muitas iranianas se submetem antes do casamento.

Essa semana, um dos livros que peguei na biblioteca publica foi Poulet aux Prunes (Frango com ameixas). Um pouco maior que Broderies, mas da pra ler tranquilamente em uma tarde, até porque a historia é tão interessante que a gente devora mesmo. O livro conta a vida e a morte de Nasser Ali Khan, um musico iraniano, parente distante de Satrapi. Em comparação às outras, essa obra é menos sobre o Irã e mais sobre a introspecção do individuo. O personagem é um artista e isso da a desculpa que a autora precisa pra criar uma atmosfera meio poética. A historia se passa em apenas sete dias, mas com muitos flashbacks para que a gente dê uma espiada na vida de Nasser Ali Kahn e compreenda suas decisões.

Entre a realidade, o fantastico e os devaneios do musico, nos sentimos completamente ligados à Nasser e torcemos por ele, mesmo ja conhecendo seu desfecho. Na verdade, apesar da Satrapi contar o final do livro logo no inicio, ela nos reserva uma outra surpresa, linda e emocionante, que da todo sentindo ao livro. Recomendo muito.

segunda-feira, 7 de março de 2011

França extrema-direita?

Uma pesquisa de opinião divulgada ha dois dias no jornal Le Parisien esta causando um fuzuê entre os franceses (o mais perto de um carnaval que eles conseguiram chegar). Pra quem não esta acompanhando, o resultado da pesquisa sobre as eleições presidenciais deu um favoritismo à Marine Le Pen, candidata do partido xenofobo e de extrema-direita, Front National. Le Pen teria alcançado 23% das intenções de votos. Nicolas Sarkozy (UMP) e Martine Aubry (PS) apareceriam empatados com 21% cada.

E então tem gente gritando aos quatro ventos que a França é um pais racista e xenofobo, que a extrema-direita esta a um passo de ganhar as presidenciais e que os franceses não querem mais saber de politica social, querem mais é expulsar todo mundo. Pera la, né? Pra começar, tem muita gente duvidando da credibilidade dessa informação por varios motivos. Antes de tudo, a pesquisa de opinião da Harris Interactive foi feita pela internet. Eu mesma de vez em quando recebo uns questionarios deles e quando o assunto me interessa, até respondo. Mais ainda temos um problema mais funcional: ao contrario do Front National, os outros grandes partidos ainda não definiram seus candidatos. O Partido Socialista anda numa eterna lenga-lenga pra saber quem indicar. A Segolène Royal deu uma de espertinha e anunciou sua candidatura ha uns meses, mas parece que ninguém levou muito a sério, pois ela não tem muitas chances mesmo. Então por que a pesquisa tomou a decisão que nem o proprio partido consegue tomar? Além do mais, a Aubry aparece como a ultima colocada do PS na preferência dos eleitores. Sera que a pesquisa não a escolheu de proposito? As opções de candidatos, além da Aubry, são Dominique Strauss-Kahn (diretor geral do FMI, não tão de esquerda assim e que aparece como o preferido do eleitorado) e François Holland, que foi capa da revista Le Point da semana passada com o titulo "O homem que amedronta Sarkozy" (muito exagerado, diga-se de passagem).

Mesmo a UMP ainda não sabe quem apresentar. Sim, o caminho natural seria tentar a reeleição de Sarkozy, mas o cara anda tão, mas tão impopular que a direção do partido esta hesitante. Sarkozy esta batendo todos os recordes de rejeição, seria uma manobra arriscada demais: ninguém mais quer o baixinho. Então a competição ja começa injusta, com alguns candidatos ja oficiais e outros não. Acho um tremendo erro da midia não apresentar esses fatos e ja sair por ai falando que a Le Pen é favorita. Como disse Alain Duhamel, du très mauvais journalisme.

O Front Nacional é aquele tipo de partido que sempre vai existir, mas nunca vai ganhar - pelo menos não em condições normais de temperatura e pressão (semelhanças com os partidos comunistas não é mera coicidência). Ele vai sempre eleger deputados e tal, porque com certeza tem seu publico. Eh tipo o Bolsonaro, que sempre vai conseguir se eleger para cargos menores, pois tem eleitores fieis, mas nunca vai conseguir passar disso. Então alguém fala "Ah, mas o Le Pen (o pai) ja foi pro segundo turno". Sim, mas vocês ja entenderam por que?

O primeiro turno das eleições de 2002 foi muito disputado. Acontece que todo mundo ficou muito embolado. Chirac teve menos de 20%, Le Pen 16,86%, Lionel Josepin (PS) 16,18%, François Bayrou 6,84% e todos aqueles candidatos nanicos de esquerda em seguida. O Front Nacional roubou a cena e pegou a vaga no segundo turno que tradicionalmente pertence ao Partido Socialista. Mas isso não quer dizer que os franceses se tornaram todos uns retrogrados, significa apenas que a esquerda cometeu seu eterno erro de fragmentação. Tanto que Chirac se elegeu com incriveis 82% de votos - um segundo turno nunca foi tão facil. Le Pen NUNCA ganharia. E a esquerda se viu obrigada a votar num candidato da direita, seu pior pesadelo.

Somados, os partidos de direita e esquerda conseguiram mais ou menos a mesma porcentagem de votos, sem contar o François Bayrou, que é centro. Ou seja, foi uma total falta de estratégia. Se apenas um dos partidos nanicos de esquerda tivessem feito aliança com o PS (e dois deles normalmente fazem), eles iam pro segundo turno.

O interessante é que tem gente dizendo que em 2012 a historia pode se repetir, mas dessa vez a favor da esquerda. A UMP esta tão impopular, que pode ser que o Front Nacional pegue novamente o segundo turno, mas dessa vez contra o Partido Socialista. Se isso acontecer, é so o PS correr pro abraço. Parece que a esquerda esta mais espertinha e ja esta tentando se unir. O Partido Verde tem uma candidata com potencial, a Eva Joly, mas o partido ja deixou a entender que se ela não tiver chances reais de vitoria, apoiarão o PS. Ou seja, a grande popularidade do Front National pode ser uma boa noticia para a esquerda. Eh improvavel que o partido de Sarkozy deixe a situação chegar a esse ponto, afinal de contas eles são bons em estratégias. Mas que existe uma possibilidade, ah isso existe. E vou arriscar dizer que ela não é pequena não.

domingo, 6 de março de 2011

O que se faz num domingo de carnaval na França? Atualiza-se o blog

Sim, sim, estou sumida e não tenho desculpa - na França nem tem carnaval! Mas é que estava vivendo um pouquinho mais la fora do que aqui dentro desse computador. So que minha tatica deu errado, ja que o tempo que eu gastava com o blog, acabei gastando com coisas nada importantes. Foi o José Fernando quem me alertou para as terriveis consequências da ausência do Porte Dorée para a humanidade - posso me gabar um pouco e copiar o comentario aqui?

"Que absurdo. Um serviço público como o Porte Dorée há 15 dias sem atualização! Leitores dependes químicos do blog, como eu, passando mal do lado de fora, sem atendimento. Onde estão as autoridades desse país que não fazem nada?"

José Fernando, quais as chances de você morar em Paris pra eu te pagar uma bière?

Sabe como é blogueiro, né? Achamos que todas as pessoas que nos lêem são seres evoluidos e iluminados. E aqueles que não nos lêem ou - o horror, o horror! - não nos linkam, ainda não encontraram o caminho da luz. José Fernando acabou de mostrar que é dotado de incrivel bom gosto e é em homenagem a ele que retomo o blog depois de curtas férias.
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