quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Livro - La carte et le territoire

Ao contrario do que pode parecer à primeira vista, La carte et le territoire (em português "o mapa e o territorio") nao é sobre geografia - longe disso. A obra conta a historia da vida de um artista bem sucedido, que começa sua carreira como fotografo e a termina como pintor. Esse livro rendeu a Michel Houellebecq o Goncourt, maior prêmio de literatura francesa. Parece que ele ja era um dos favoritos ha bastante tempo, mas nunca levava. Imagino que os outros livros dele sejam melhores, porque esse, na minha singela opiniao, nao vale o prêmio. Eh bem escrito, facil de ler, mas simples demais, sem emoçoes. Mas até entendo porque os franceses gostaram da obra: ela foi feita apenas para eles. Tem muitissimas referências a apresentadores de TV, artistas, personalidades conhecidas apenas no universo francês. Eu, morando aqui ha quase cinco anos consegui reconhecer apenas a metade das pessoas a quem ele fazia referências.

Outra coisa que me incomodou foi o machismo evidente que o autor carrega consigo. Toda vez que o gênero feminino aparecia na historia, era de forma grotesta com direito a todos os clichês sexistas disponiveis no mercado. A mulher precisa ser bela antes de tudo, tanto que aquela que conquista o coraçao do personagem principal é caracterizada como uma das cinco mulheres mais bonitas da França naquele momento. Ja a relaçoes publicas do artista, a responsavel pelo lançamento, tida como feia mas super competente, é tratada de forma grosseira e irônica. Quando ela passa a cuidar mais da aparência, sobe imediatamente no conceito do autor.

A historia em si nao é nada demais. Jed Martin alcança a fama quando realiza uma série de fotografias de trechos de mapas rodoviarios da Michelin, o que me parece uma tremenda forçaçao de barra. Mas tudo bem, às vezes a arte moderna é imprevisivel. Como pintor, um de seus quadros mais famosos é o retrato de Bill Gates e Steve Jobs conversando, vendido por um valor milionario. Também acho um pouco surrealista demais. O mais interessante no livro, e o que eu acho que conquistou a critica, é que Houellebecq aparece como personagem secundario importante, convidado por Jed para escrever um texto do seu catalogo de exposiçao. O autor se descreve de maneira nada virtuosa, mas quando fala de seus textos e livros nao consegue esconder certo orgulho e auto-admiraçao. Antes de ler o livro, tudo o que eu sabia dele era que Houellebecq é assassinado de forma brutal. Inclusive eu levei um baita susto ao ouvir um reporter na TV dizer assim: "Eh com grande pesar que anuncio que o escritor Michel Houellebecq, ganhador do prêmio Goncourt, foi assassinado em sua casa na manha desta terça-feira". Pulei da cadeira, imaginei o escândalo no mundo das letras francês! Inveja, rivalidade, assassinato! Mas logo depois me dei conta que essa foi a forma original que o jornalista encontrou pra falar sobre o livro. Fail total.

Houellebecq tenta ainda fazer umas previsoes completamente sem-noçao do futuro. Gente, em que mundo esse homem vive? Dizer que em 2030 a França sera um pais "essencialmente agricola", sem que nenhuma catastrofe sem precedentes aconteça, é ignorar completamente a sociedade na qual se vive. So por essa previsao sem cabimento eu ja arrancava o prêmio das maos dele.

Enfim, o que pude notar no livro é que Houellebecq é uma pessoa depressiva, sarcastica, pessimista, mal-humorada, machista, ou seja, tudo o que um escritor precisava ser em algum século passado. Sorte a nossa que os tempos sao outros.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sebo nas canelas

Acho que ja falei umas quinhentas vezes aqui no blog que eu moro do lado do Bois de Vincennes, um parque imenso, o maior de Paris. No verão a gente sempre vai la fazer um piquenique, dar uma voltinha, ler um livro, ou apenas sair de casa ja que aqui fica um forno (em compensação no inverno fica quentinho). Também sempre me esforcei em dar uma corridinha em volta da lagoa de vez em quando. Determinei que o minimo era uma volta por semana, então a cada semana eu corria exatamente... uma volta. Dai esse ano decidi me empenhar mais, ja que morro de preguiça de ir pra piscina - tenho que preparar os apetrechos, checar se a depilação ta em ordem, preparar as varias camadas de roupa pra pôr depois, andar meia hora até chegar la, ou seja: tempo demais pra desistir. Cheguei a conclusão que correr é mais conveniente: tô do lado do point da corrida, não precisa de acessorios, não precisa se molhar e se eu tiver com muita preguiça é so eu ir de uma vez que nem da tempo de reclamar.

Além do mais quando fui à Lyon, ouvi Luci dizer que ela gostava de correr. Gostava. E eu pensei "como um ser humano pode encontrar prazer em fazer esse sacrificio horroroso?". Fiquei intrigada. Ja tinha ouvido muitas pessoas dizerem a mesma coisa, mas nunca levei a sério. Tem até aquelas que ficam se gabando: "Ai, eu sou viciada em corrida! Até nas férias eu pre-ci-so correr!". Primeiro que eu juro que não entendia como alguém podia gostar de correr. Achava que era tiração de onda. Depois que vicio pra mim é, necessariamente, alguma coisa negativa. Seja viciado em cigarro, em cachaça, em cola-cola, em comédias românticas. Mas não seja viciado em brocolis e abdominal! Isso pode ser tudo, menos vicio. Arranje outro nome pra sua brincadeirinha.

Então ouvir essa blasfêmia vindo de alguém que tenho tanta estima me chocou. Voltei pra Paris determinada a resolver o mistério, então passei da simbolica volta semanal para seis voltas semanais. E não é que fui pegando gosto pela coisa? A Luci, por outro lado, exagerou na dose e trocou a corrida pela academia, né dona xica? Pois eu tô curtindo. Corro durante meia hora, três vezes por semana antes de ir pro trabalho. Fico me sentindo mais saudavel, mais disposta, mais bem-humorada. E principalmente, menos ansiosa. Acabo comendo melhor, porque não quero quebrar a sensação de bem-estar e saude engolindo um quilo de pão com queijo. Corro devagar, no meu ritmo. Não tô nem ai para o relogio e para a perda de calorias, me concentro apenas em olhar os patinhos na lagoa. Nem musica eu gosto de ouvir.

Empolgada e me achando The Runner, fui procurar dicas de corrida na internet. Fiquei chocada com as diferenças de informações entre os sites brasileiros e franceses. Parece que no Brasil se a pessoa quiser correr, ela tem que correr logo uma maratona, senão é melhor ficar na turma da caminhada da terceira idade. Fiquei de cara com as dicas para os iniciantes: correr 3x na semana, mas para não forçar muito, o ideal é andar 5 minutos, correr 1 minuto, andar 4, correr 2, até inverter. Pombas! Qual o prazer de contar cada minuto no relogio? Acaba sendo um exercicio de concentração mais do que qualquer outra coisa. Em vez de olhar a paisagem, interagir com as pessoas, pensar nos problemas do cotidiano, não, a pessoa tem que prestar atenção se seus 3min de corrida ja passaram. Fala sério, né? Se eu ja tive a maior dificuldade em curtir a corrida ouvindo o canto dos passarinhos e deixando meu pensamento voar, imagina contando os minutos no relogio. Ja os sites franceses recomendam os iniciantes correrem entre duas ou três vezes na semana, em ritmo tranquilo, e intercalar com caminhada caso se sintam muito cansados.

E então, se a pessoa sobreviver a um mês inteiro de tortura com o jogo dos minutos, ela ja esta preparada pro passo seguinte, coisa muito simples: correr 1h cinco vezes por semana. Eh isso mesmo Brasil? Sério que uma pessoa que não passa sua vida pensando em esportes vai ter disposição pra correr uma hora todo dia? Eu não conheço ninguém. Correr é dificil pacas, eu faço minha meia horinha e no final ja estou morta (olha que gosto de esportes e nunca fui sedentaria). Se eu corresse 1h sabendo que no dia seguinte teria que correr outra hora e no dia seguinte, e no dia seguinte... eu não durava uma semana. Isso sem falar no complemento na academia pra reforçar a musculatura que eles indicam. Então é assim: ou você se prepara para as competições (que parece que virou moda) ou vai sentar no sofa e se entupir de batatinha. Correr 15 minutos não serve pra nada nessa vida.

Ja na França, a abordagem é outra. Não encontrei nenhum plano de treinamento milagroso. O pessoal é mais da filosofia quer correr? pega um tênis e vai. Nenhuma palavra sobre academia, apenas a sugestão de fazer abdominais pra complementar. A modinha de competição também chegou por aqui, não sei se na mesma escala. Mas o ponto de atrito que achei mais significante entre as dicas dos dois paises foi que os franceses dizem que para a pessoa saber se esta correndo na velocidade correta, ela deve ser capaz de conversar. Ja os brasileiros dizem que a pessoa não deve ter fôlego suficiente para falar durante a corrida. Isso diz muito sobre como encaramos o esporte.

Estou muito satisfeita com minhas sessões de corrida. Estou seguindo o modelo francês, ou seja, no meu ritmo, sem pressões, sem culto ao corpo. E se um dia eu enlouquecer e passar a correr 1h por dia todo dia, não vai ser porque alguém mandou, mas uma evolução natural (mas né, sejamos realistas).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Contando historias

Eu sempre fui melhor me exprimindo por escrito do que falando. Se tenho uma super historia pra contar e decido fazer oralmente, minha super historia perde o pé, a cabeça e principalmente a graça, depois que eu, sem querer, contar como ela termina logo na primeira frase. Não que eu domine a arte de contar historias por escrito, mas pelo menos acho que me esforço mais. Piadas então, sou péssima. A forma mais eficaz de eu fazer as pessoas rirem das minhas piadas, é ter uma crise de riso no meio do processo e não conseguir contar o fim. Dai todo mundo ri por contagio mesmo. Mais simples, não?

O meu problema é que tendo a resumir demais as coisas: não é importante? Tiro. Não é essencial? Corto. Dai minha historia (ou pior, minha piada) fica mais parecendo um artigo de jornal. Eh que tenho trauma de gente que funciona nos detalhes. Quem nunca ouviu uma amiga contar: "Então eu fui jantar com aquele cara maravilhoso. Estava na metade da minha lasanha quando ele olhou nos meus olhos e...", nesse momento ela para, coloca o indicador na boca, franze as sombrancelhas e diz: "Não, minto. Eu estava comendo frango grelhado naquele dia, eu acho". Ei, amiga? Foco! Pior que ela não vai te contar o que aconteceu com o bonitão enquanto não lembrar exatamente o que comeu naquela noite.

Bom, eu tiro esses detalhes mesmo escrevendo. Porque tem coisas que são interessantes pra gente lembrar, mas na hora de contar uma historia pra alguém, não é interessante saber se você saiu de casa às 9 ou às 11h. Mas é verdade que escrevendo a gente tem tempo de rever todos esses detalhes, e falando não. Então eu, na duvida, saio cortando tudo sem moderação e minha historia murcha. Por isso admiro muitissimo as pessoas que sabem falar bem e mais ainda, aquelas que sabem ser engraçadas. Gente, tem que ser muito guerreiro pra fazer um daqueles stand up shows - é você la, sozinho, centro das atenções,  na obrigação de atender a expectativa do publico e fazer dezenas de pessoas rirem, sem qualquer recurso! São meus herois.

Dito isso, deixo aqui o video do Rafinha Bastos (que provavelmente vocês ja conhecem), alguém que realmente sabe contar uma historia.


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Raio-X na carteira dos franceses

O site Rue89 às vezes publica reportagens sobre a finança pessoal dos franceses de uma forma bem interessante: eles passam pente fino na conta bancaria de voluntarios, mostrando quanto é o salario deles, quanto ganham de ajuda do governo e pagam de imposto, quanto gastam com aluguel, roupas, lazer, telefone, viagens. Acho que é um exercicio legal comparar nossas despesas no Brasil com a despesa de uma familia francesa, procurar semelhanças e se assustar com as diferenças. Acho que essa pode ser uma ferramenta muito util pra mostrar o cotidiano dos franceses. Claro que cada um tem um estilo de vida diferente e prioridades diferentes, mas ja da pra ter uma ideia de como vivem os frenchies. Selecionei o perfil de duas mães solteiras, com uma grande diferença salarial entre elas: Alexandra ganha quase 2.900 euros enquanto Zoé ganha 575 em um trabalho de meio expediente. Vou comparar outros perfis mais tarde, mas se você quiser dar uma olhadinha em todas as reportagens, elas estão aqui.

Alexandra, 36 anos, controladora interna de uma industria farmacêutica, divorciada, duas crianças.

Calculo da renda
Salario livre de impostos: 2.865 euros
Prêmios da empresa por participação e mérito: 652 euros
Ajuda do governo para os filhos: 122 euros
Pensão alimentar: 368 euros
RENDA TOTAL: 4.007 euros mensais

Sua empresa ainda oferece muitos beneficios como vale-presente e vale-férias de 220 euros por ano cada um, participação na despesa das atividades extra-escolar de seus filhos, excelente plano de saude por 20 euros por mês, telefone celular pago e restaurante da empresa com preços baixos.

Calculo das despesas
Aluguel de uma casa na periferia de Paris: 1.090 euros
Seguro da casa: 46 euros
Gas e luz: 130 euros
Taxa de habitação: 65 euros por mês
Profissional psicomotora para o filho: 140 euros
Baba pra buscar na escola: 120 euros
Almoço e centro de lazer das crianças na escola: 130 euros
Celular do filho de 10 anos: 25 euros
Atividades das crianças: 183 euros
Matricula escolar: 200 euros, ou 17 euros por mês
Imposto de renda: 1.200 euros por ano, ou 100 euros por mês (ela ainda paga pouco pois foi promovida ha pouco tempo)
Telefone fixo ilimitado e internet: 35 euros
Carro: 96 euros (46 de seguro e 50 de gasolina)
Cartão de transporte ilimitado: 29 euros, a empresa paga a outra metade
Compras mensais: 500 euros, comprando orgânicos
Alimentação no restaurante da empresa: 80 euros
Taxas bancarias de suas duas contas: 14 euros
Pagamento das taxas do divorcio que foram feitas à crédito: 303 euros
Doação a associações de meio-ambiente: 230 euros
Roupas: 2.000 euros anuais (1.500 dela e 500 das crianças) ou 167 euros por mês
Lazer: varia muito
Férias: 3.000 euros por ano
DESPESAS TOTAIS: 3.300 euros mensais

Zoé, 24 anos, garçonete a meio periodo, solteira, um filho.

Calculo da renda
Salario livre de impostos: 575 euros
Ajuda social: 350 euros (sim, na França o bolsa-familia existe ha muito tempo)
Gorjetas: 17 euros
Pensão: zero, o pai não da dinheiro porque acha que Zoé vai usar em seu beneficio. Ela não quer pedir, ja que consegue se virar
RENDA TOTAL: 940 euros mensais

Zoé diz que para ela vale mais a pena trabalhar meio periodo, pois se trabalhasse full-time, além de ter que pagar uma baba pro filho, perderia boa parte da ajuda do governo, sem contar o tempo que passaria longe de seu filho.

Calculo das despesas
Aluguel de um apartamento em Paris + agua: 360 euros (ele custa 635, mas ela se beneficia de uma ajuda à habitação)
Luz: 52 euros
Taxa de habitação: zero
Seguro da casa: 20 euros
Seguro escolar para o filho: 10 euros por ano
Almoço na escola: 73 euros
Cartão de transporte: zero (ela pega carona com um amigo e quando precisa, burla o metrô)
Cartão de desconto de trem: 49 euros anuais (sua familia e o pai de seu filho moram em Toulouse)
Telefone fixo ilimitado e internet: 30 euros
Telefone celular: 45 euros
Lavanderia: 30 euros
Compras mensais: 120 euros
Plano de saude: zero, Zoé se beneficia de um plano de saude gratuito para os mais pobres
Passagens de trem: 25 euros por mês
Televisão: zero, ela não assiste para não ter vontade de comprar coisas
Animais: zero, seu peixe pode ficar até 3 meses sem se alimentar
Roupas: 120 euros por ano ou 10 euros por mês
Cabelereiro: zero, ela corta seu proprio cabelo (como muitos franceses, alias)
Lazer: 110 euros
Tabaco + seda: 20 euros
DESPESAS TOTAIS: 900 euros mensais

E então, muito diferente das despesas das brasileiras?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ainda sobre o islamismo na França

Sobre o meu post anterior e seus comentarios, não devemos confundir imigração com o aumento do islamismo na França. Apesar de os dois estarem de certa forma relacionados, são completamente diferentes. Vocês não vão me ouvir nunca falar mal de imigração, até porque eu acho o fim da picada imigrantes falarem mal de imigração. Acho sim, que a França, assim como todos os colonizadores, vacilaram muito com os paises subdesenvolvidos e eles deveriam ter todo o direito de vir pra Europa recuperar o que foi tirado deles. Em vez de reclamar do fluxo migratorio ilegal, os paises desenvolvidos deveriam ser obrigados a ajudar o desenvolvimento dos paises pobres, assim ninguém mais iria querer vir. Acho essa coisa de preservar a pureza dos franceses ou de qualquer outro "povo" uma tremenda besteira, eu queria mesmo era que todo mundo se misturasse de vez pra acabar com qualquer tipo de racismo.

O negocio é que não são apenas os imigrantes que estão trazendo o Islã pra Europa. Como eu ja disse, os imigrantes da geração passada chegaram na França com o desejo de ter uma vida melhor, então eles não estavam preocupados em rezar cinco vezes por dias ou em saber qual direção exatamente ficava Meca, eles estavam ocupados trabalhando, ganhando seu dinheirinho, não tinham tempo a perder e foram se desligando da religião. Mas dai que seus filhos e netos, que apesar de não serem mais magrebinos, viraram alvo de preconceito na França: não conseguem emprego por causa do sobrenome, são acusados de gentalha pelo governo francês, etc etc, então eles fazem o que ha de mais humano - se mostram exageradamente orgulhosos de suas raizes. E se usar veu incomoda esses franceses estupidos, vamos la comprar um veu bem bonito. Quem sabe eu não faria a mesma coisa?

E tem a conversão de alguns franceses ao islã. Não chega a ser um fenômeno, mas existe. Eu conheço uma francesa de 20 anos que passou a usar o veu por causa do namorado. Então o assunto não é imigração, mas o aumento da religião muçulmana na França.

Como disse o José Fernando, cujo comentario alias, foi melhor que meu post, o problema é o fundamentalismo religioso, seja ele islâmico, catolico, evangélico, budista. Talvez eu não tenha sido clara no ultipo post, ja que não usei palavras como radical ou fundamentalista, mas é que eu acho que toda religião pura é radical e fundamentalista. O catolico de verdade é tão radical quanto o muçulmano, a diferença é que quase não existe mais catolicos de verdade nos paises ocidentais. As pessoas se dizem catolicas por convenção, mas ninguém deixa de ir à praia domingo pra ir à missa. Agora, os muçulmanos são diferentes, eles realmente seguem a religião, eles não comem porco, eles fazem o Ramadã e ficam 40 dias sem comer durante o dia! A gente não come carne na semana santa e ja acha que esta fazendo um grande sacrificio.

Acho sim, que quando religião toma espaço demais na vida publica é um retrocesso no desenvolvimento humano. Sobre religião e mulheres, ja falei no texto "Quando deus é o chefe do homem e o homem é o chefe da mulher" (acho que esse foi o post mais popular do blog, inclusive uns retardatarios islâmicos que descobriram o texto meses depois dele ser publicado e se manisfestaram com toda a educação e o respeito que as religiões ensinam #ironia). Então me preocupa essa onda de conservadorismo, como disse a Aline nos comentarios, que nesse momento esta vindo na forma de islamismo. Meu problema não é com o islã, nunca vou dizer que os muçulmanos são o problema da França. O problema é o retrocesso, que seria exatamente o mesmo se todos os franceses decidissem voltar às suas raizes catolicas. Seria resgatar o espirito francês? Não, seria simplesmente um retrocesso tão grave quanto o que estamos discutindo agora.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A invasão islâmica na França

Antes de vir pra França eu era muito interessada no mundo arabe. Queria aprender a lingua, estudar mais a politica desses paises, tentar entender mais a religião muçulmana. Achava que os rebeldes islâmicos eram incompreendidos, que o ocidente esmagava sua cultura, seu povo. Até minha monografia de conclusão de curso foi sobre o Hamas. Dai duas coisas importantes aconteceram: passei a ter mais contato com o feminismo e vim pra Paris.

Então, do ponto de vista feminista, é impossivel defender a religião muçulmana. Defesa da igualdade dos gêneros e islamismo definitivamente não andam juntos. Que fique claro que acho que todas as religiões oprimem as mulheres, mas hoje eu quero falar apenas da islâmica. No inicio eu até engoli aquela velha historia de que na verdade os muçulmanos respeitam tanto a mulher, que as protegem com véus, burcas e paredes. Eles valorizam tanto a mulher, que seria um absurdo elas terem que trabalhar fora. Eles acham que as mulheres são tão melhores que os homens, que so elas sabem como cuidar de bebês e tomar conta da casa de maneira digna. Poxa, esse truque deve ser mais velho que Maomé! 

Depois, morando em Paris, fui tendo muito mais contato com os arabes. Conheci muita gente bacana, como a familia de um dos bebês que tomei conta: por parte de pai, os avos eram argelinos muçulmanos e por parte de mãe, eles eram argelinos judeus. Mas nenhum deles era praticante. O chéri tem um tio argelino, muçulmano de origem, mas também não praticante, que é comunista e super gente boa. Mas eu também comecei a perceber que toda vez que um cara falava grosserias na rua quando uma menina passava, ele era arabe. Comecei a me indignar com os diversos casos de poligamia, de humilhação feminina e de violência doméstica praticados pelos muçulmanos. Quem mora em Paris sabe que tem muito arabe morando aqui. Tipo, muito muito. E tem todo um movimento sociologico, que resumindo bem, chega a conclusão que os primeiros imigrantes meio que abandonaram a religião ao chegar na França, ocupados em ganhar a vida, mas seus descendentes, que eram (e continuam sendo) excluidos pela sociedade acabaram abraçando o islâmismo ja esquecido por seus pais, como para ter uma identidade propria. E assim, a religião muçulmana cresce muitissimo no pais. E com ela, as praticas altamente patriarcais (mais ainda do que as nossas).

Tudo indica que a progressão do islamismo na França sera um assunto muito presente da pauta das eleições presidenciais francesas no ano que vem, talvez tomando até o lugar do debate sobre a imigração. A extrema-direita, representada por Marine Le Pen, não tem papas na lingua e critica abertamente a "invasão" do islã. A direita, representada pelo proprio presidente Sarkozy, ja demonstrou concretamente que também não é favoravel à tolerância islâmica. A esquerda? Bom, a esquerda tenta se calar ao maximo, porque sabe que esse é um assunto muito espinhoso e mesmo os franceses mais liberais tendem a ser contra a progressão do islã na Europa. A revista L'Express publicou uma reportagem sobre o assunto dizendo que 76% da classe média (média de verdade, não como no Brasil) acha que o islamismo progride demais no pais, segundo sondagem do Ifop. Outra pesquisa, feita pelo jornal Le Monde, confirma que 42% dos franceses pensam que a presença de uma comunidade muçulmana na França constitui uma ameaça para o pais. Mesmo entre a esquerda essa corrente é concreta. Em 20 anos, a porcentagem dos franceses contra o uso do véu religioso na rua aumentou 28 pontos (o véu, assim como qualquer simbolo religioso como cruzes e quipas, são proibidos em predios publicos como escolas e hospitais, mas não na rua).

Ano passado o governo tentou forçar um debate sobre identidade nacional que não colou muito. Mas no fundo, acho que a coisa é essa mesmo, um debate sobre identidade nacional. Ninguém sabe muito bem definir o que é ser francês: os mais tradicionais podem falar da guerra, de patriotismo, da lingua; os mais moderninhos podem falar da mistura gostosa que ja conhecemos no Brasil faz tempo. Mas se é dificil definir o que é francês, fica mais facil definir o que não é, especialmente quando se passeia na rua cruzando dezenas de lojas halal, vendo mulheres cada vez mais escondidas em seus panos pretos, vendo dezenas de pessoas rezando voltadas pra Meca atrapalhando a calçada. Quando é um ou outro, a gente abraça com força a diversidade e adota um discurso bonito de tolerância, mas quando começa a ser demais, a esquerda francesa (e eu também) começa a coçar a cabeça.
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