sexta-feira, 4 de maio de 2012

O punhal de Le Pen

Nas vésperas do segundo turno das eleições presidenciais francesas de 2002, aquela que catastroficamente ficou entre Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen, Mohamed Moulay abria a boca para contar sua tragédia pessoal. Esse argelino tinha passado muitos anos remoendo uma história de terror, mas quando viu seu algoz a um passo de se tornar presidente da república, decidiu falar. Pensando bem acho que ele já sabia que Le Pen não seria eleito, e escândalo nenhum mudaria isso, deve ter sido mais um puxão de orelha nos franceses, como quem diz "prestem bem atenção em quem vocês estão votando".

Mohamed contou ao jornal Le Monde que perdeu seu pai dia 3 de março de 1957, depois de uma visita de uma tropa de paraquedistas franceses. O chefe do grupo era o jovem Jean-Marie Le Pen, "grande, forte e loiro". O pai de Mohamed, Ahmed Moulay, fazia parte do Front de Libération Nationale, partido radical que lutava contra a colonização francesa e acabou consquistando a independência da Argélia (e que mais tarde demonstrou não ser nenhum um pouco democrático, mas isso é outra história). Então, no meio da noite, Le Pen invade a casa da família Moulay e submete Ahmed, que tinha então 42 anos, a um interrogatório macabro. O que se segue são intermináveis horas de tortura com água e eletricidade, sob os olhos aterrorizados da mulher e dos seis filhos de Ahmed. Diante da resistência do argelino em não delatar seus companheiros, Le Pen e sua tropa vão embora deixando um cadáver para trás.

O irônico é que o jovem Jean-Marie Le Pen esqueceu um punhal com seu nome gravado no local do crime. Mohamed, que na época tinha 12 anos, encontra a faca e sem pensar duas vezes a esconde. No dia seguinte Le Pen volta para recuperar o objeto, mas não acha. Trata-se de uma faca da Hitlerjugend, a Juventude Hitlerista, fabricada nos anos 30.


Essa história, Mohamed guardou por 45 anos e decidiu contar apenas quando viu Jean-Marie Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais, há exatos 10 anos. O político conservador processou Mohamed e o jornal Le Monde por difamação e perdeu. O punhal foi uma das provas do processo e daqui a um mês será levado de volta para a Argélia, onde se tornará peça de um museu.

Acho assustador pensar que é desse tipo de gente que a política francesa é feita. Que a UMP esteja pensando em fazer aliança com um partido fundado por um assassino. Claro que imagino (e espero) que Jean-Marie Le Pen tenha evoluído e não seja mais a mesma pessoa que invadiu a casa da família Moulay. Muito menos quero julgar Marine Le Pen pelos erros do pai. Mas é a essência que conta, sabe? É o ambiente do qual essas pessoas vieram.

Mohamed Moulay morreu há dois dias, aos 67 anos.

*Informações tiradas dessa matéria do Le Monde.
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