quarta-feira, 13 de abril de 2011

A amiga da travessia

Ainda na onda esportista que anda aqui no blog, estive pensando na primeira (e unica) vez que fiz uma travessia no mar. Eu tinha uns 14 ou 15 anos, ainda competia e estava um pouco receosa de nadar em mar aberto. Gosto de piscinas limpinhas e seguras onde podemos ver tudo o que acontece, sem correr o risco de dar de cara com um peixe - pra ser otimista. A travessia foi em Niteroi, 3km, de Camboinhas até Itaipu. Quase toda a turma estava la, empolgadissima, enquanto as mães e os pais tentavam sabotar a competição: "filho, tem certeza? Se você não quiser ir não precisa, viu?".

A minha largada foi um tremendo fiasco. O mar estava grande e eu, afobada. Dado o sinal, sai correndo, me joguei na agua cheia de motivação e... levei um baita caldo. Levantei toda zonza e percebi que tinha perdido os oculos. Procurei um pouco no meio dos outros afobados, em vão. Voltei pra areia e arranjei outros oculos, de um modelo que eu não gostava e que não se adaptava no meu rosto. Segunda tentativa de passar a arrebentação, ja traumatizada, fui devagarzinho, devargazinho, ja estava quase la quando de repente... achei meus oculos. Quais as chances? Mas e agora, se eu voltasse perderia mais tempo ainda e teria que passar novamente pela arrebentação. Amarrei os oculos emprestados no maiô, em cima do ombro pra não fazer peso e comecei a nadar.

Achei tudo muito estranho, gente se esbarrando em toda parte. Fui me adaptando devagarinho, ultrapassando uns, sendo ultrapassada por outros. A agua estava tão escura que mal dava pra ver a mão. Comecei a pensar: nossa, deve ter um monte de animais por aqui. Sera que tem muito peixe embaixo de mim? E se tiver um tubarão me me rodeando? Fui entrando em leve desespero. Foi ai que eu percebi que tinha um bicho preto enorme agarrado no meu braço. Entrei em pânico. Comecei a gritar involuntariamente em alto mar, sacudindo os braços pro bicho desgrudar de mim, mas quando olhei melhor... era apenas o numero de inscrição pintado de nanquim (que alias deixou uma marca de sol super tentência, pergunte aos meus amigos da escola). Eu em plena adolescência so pensei no mico que estava pagando e tentei disfarçar o melhor que pude. Ainda bem que os outros estavam mais preocupados em nadar e não me deram muita atenção.

Aprendida a lição, me acalmei e fui pegando o ritmo da coisa. O mais dificil era saber pra onde eu estava indo, porque a corrente acabava me levando pra onde ela bem entendesse. Uma amiga foi sem querer pra uma direção completamente diferente e quando percebeu teve que fazer uma volta enorme. Eu fui nadando, pensando em outras coisas, então me dei conta que tinha uma menina nadando do meu lado ha bastante tempo. Sera que eu a conhecia? Sincronizei nossas respiradas, mas não a reconheci. Continuamos nadando juntas, na mesma velocidade, no mesmo ritmo de braçadas, respirando sempre juntas. Aquela parceria foi me dando mais confiança. A gente ultrapassava as outras pessoas uma de cada lado, depois nos juntavamos novamente. Se alguém queria passar entre a gente, nos nos juntavamos e obrigavamos a pessoa a passar pelo lado. E seguimos assim.

Mas teve um momento em que eu ja não aguentava mais. Estava cansada e os oculos amarrados no maiô estavam me machucando. Fazer uma ferida por atrito na agua salgada não é muito recomendado pra quem faz travessia (e pra quem não faz também). Estava doendo pra caramba. Tentei continuar pra ficar com minha nova amiga, mas não deu, estava exausta e dolorida. Precisava muito descansar. Bom, paciência, eu seria mais uma a quem ela ultrapassaria, pelo menos ela saberia que era mais forte que eu. Competição é competição. Parei. Tirei a cabeça da agua. Ela parou também. E gritou "bora, bora! Continua". E eu obedeci.

Eh engraçado quando a gente acha que esta no limite das forças, que não da mais mesmo, e na verdade o que falta é apenas uma razão pra continuar, um pequeno incentivo, alguém que diga, vem eu confio em você. E eu continuei nadando com ela, as duas lado a lado, incentivando uma a outra, até o final da travessia. A chegada foi brusca. Depois de passar tanto tempo na calma do mar, no silêncio, controlando limites numa luta interna e externa que te exigia toda a concentração, chegar na areia da praia de pernas bambas, ouvir aquele barulho todo era muito estranho. Parecia o caos e eu ouvia gente me oferecendo agua, gatorade, frutas, gente me dizendo que eu tinha que passar na mesa e dar meu nome, mães ansiosas querendo saber se seus filhos iam chegar vivos e inteiros. Demorei uns minutos pra me acostumar e quando olhei pros lados pra procurar minha companheira, não achei.

E quase 15 anos depois da travessia, a lembrança desse dia que continua mais forte minha memoria é essa amizade fugaz, a mais rapida de toda minha historia.

14 comentários:

Vanessa disse...

Sempre passo por aqui (via blog da Helo) e hoje dei de cara com este texto lindo! Parabens!

Luiz Ferreira disse...

Amanda, eu nao sei pq mas sempre que vejo uma historia, ou leio, de superaçao, de garra, de luta, meus olhos enchem de lagrima. Tive isso lendo este. Vc foi demais na travessia. Um bejao e tenho saudades de vc.

Gregorio disse...

Pow Amanda lendo isto me deu uma saudade!! Estou nadando mas não é como naquela época. Lembro que não fiz esta travessia mas a galera era muito maneiro. Lembro que fiz o T30 com vc na raia. Dois anos seguidos se não me engano. Bons tempos matinais nadando sendo entrevistados e tudo!
Bons tempos...
bjsss
Gregorio

Juliana disse...

pô, amanda, tô ficando velha. Em vez de achar tudo emocionante, só fiquei pensando que vc e sua mãe eram loucas!kkkk

Nunca, jamais, só se eu estiver morta, uma filha minha faria uma travessia dessas! kkkk

Angustiada só de ler!

Anônimo disse...

Ah que história tão liiiiinda, Manda!:~ E você não procurou saber quem era aquela moça assim e assado. Do cabelo do tal, do maiô tal e etc?:~

Amizade, de fato, é mesmo tudo...

Luciana disse...

Nossa, vi-me na sua situação. Não sei nadar o suficiente para me arriscar numa travessia no mar, mas já me assustei com besteiras, que na hora eram verdadeiros monstros marinhos.

Adorei o texto, ri bastante e senti-me incentivada para continuar na natação.

Parabéns pelo texto.

Vanessa Peres disse...

Poxa, que lindo... <3

Bruno Pettinelli - brnpet@hotmail.com disse...

Demais!!

Rita disse...

Ah, Amanda, que história mais bonitinha! E que forte você, menina, uau.

Fã.

Rita

Bárbara disse...

Gosto muito de praticamente tudo que você escreve, mas os posts que mais me tocam são os sobre amizade. Não deixe de escrever sobre isso, por favor :-)
Beijões!

Iara disse...

Nossa, Amanda. Post incrível! Não sou pelo texto, mas pela situação. Que incrível nadar assim! Outro dia eu pensei que, puxa, eu deveria ser nadadora profissional, porque isso me autorizaria a viver na piscina e consumir 4 mil calorias diárias sem culpa. (pessoa precisa ser muito gordinha sem vergonha pra ler um post desse e pensar em comida, né?) :P

Flávio Assum disse...

Que texto mais delicioso é esse???? Muito boa a parte do bicho preto no braço. Sensacional. Texto Biscoito Globo - leve e muito saboroso!

Unknown disse...

Juliana, eu sou a mãe, e vc não tem noção do sufoco que passei. Enquanto ela estava lá, eu nem respirava, a falta de ar não me abandonou um só instante, só melhorei mesmo quando do lado de lá pude vê-la chegar.Que alívio!!! Mas, apesar de tudo, fiquei orgulhosa, Eu jamais teria essa coragem.

Leila disse...

Não percebi e caiu com o nome de Erica, mas sou a mãe.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...