sexta-feira, 27 de abril de 2012

A esquerda francesa no caminho certo



A princípio, o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais francesas pode assustar, afinal de contas ver a extrema-direita conquistar quase um quinto do eleitorado parece realmente preocupante. Mas depois de uma análise mais fria, a esquerda francesa pode suspirar aliviada: ela está exatamente onde deveria estar. É claro que o risco sempre existe, mas o cenário político atual privilegia o partido Socialista de François Hollande como nunca antes.

Essa é a quinta vez que um presidente tenta a reeleição na história recente da França, mas é a primeira vez que o candidato-presidente não termina na frente no primeiro turno, o que reflete a grande rejeição de Nicolas Sarkozy. O atual presidente bateu recordes de impopularidade durante todo seu governo, o que leva a crer que seu partido teria melhores chances se tivesse apresentado um outro candidato, alguém com a imagem menos desgastada. A campanha popular contra Sarkozy foi provavelmente mais eficiente que a campanha pró-François Hollande. O site de informação francês Rue 89, por exemplo, criou o aplicativo "600 razões para não votar Sarkozy" que se espalhou rapidamente pela internet. O que garantiu o sucesso do aplicativo foi a relevância dos 600 motivos, pesquisados minuciosamente pelo jornalista Samuel Duhamel. Entre as razões estão: "Porque ele enviou o exército francês ao Chade em fevereiro de 2008 para manter o ditador Idriss Déby no poder", ou ainda "Porque uma viagem de 24h à ilha de Reunião por 1,6 milhões de euros (quase 4 milhões de reais) saídos do bolso do contribuinte é jogar dinheiro pela janela", sempre com suas devidas fontes.

Desta forma, é natural que os eleitores da UMP que rejeitam a figura de Sarkozy busquem alternativas e o caminho encontrado por parte deles foi o da extrema-direita de Marine Le Pen. Irônico que um dos objetivos da campanha de Sarkozy tenha sido justamente abocanhar parte do eleitorado lepenista, mas na verdade perdeu votos para ela. A candidata do Front National adotou um discurso mais leve em relação ao pai, repudiou a ideia de que seria racista e soube passar uma postura menos radical, mas sempre mantendo uma posição anti-imigração. Em um momento de crise, esse tipo de discurso é tentador para os operários. Voilà os 18%.

A grande preocupação agora é para onde vão esses eleitores. Marine Le Pen já garantiu que não apoiará Nicolas Sarkozy e incentivará seus admiradores a votarem nulo. É pouco provável os votos irem em peso para o presidente, pois os eleitores lepenistas não seguem a lógica da direita versus esquerda, é sobretudo um voto de protesto. Ora, protesto contra Sarkozy. Então somar as pontuações da direita não significa nada nessas eleições.

Todas as pesquisas apontam para uma vitória de François Hollande do segundo turno, nenhuma dá a vitória para Sarkozy. Se os prognósticos estiverem corretos, existe uma grande possibilidade que pela primeira vez a França seja governada por uma maioria de esquerda em todas as suas esferas políticas. A esquerda já conta com uma maioria nas prefeituras, nos conselhos regionais e no senado. Mas a conquista mais importante acontecerá em junho desse ano nas eleições legislativas, de onde sai a força do governo. Se o partido Socialista conseguir a presidência, a tendência é conseguir também as legislativas e se o quadro se confirmar, será a oportunidade de ouro para a esquerda francesa mostrar seu valor, justamente em um momento que o país se mostra com uma mentalidade cada vez mais conservadora.

*Texto escrito antes da possível junção da UMP com o FN (que na verdade não muda muita coisa nas presidenciais, mas nas legislativas). Outro texto meu sobre as eleições foi publicado aqui.

6 comentários:

Beth disse...

O que eu acho interessante na jogada do FN agora é que graças ao numéro recorde de eleitores, eles estão apostando ter mais cadeiras no legislativo. O que eu não duvido que não consiga.

Muito da imprensa francesa (e mesmo os políticos tb) vêem os votos FN como o voto de protesto, o voto que esfrega na cara do UMP o quanto foi ruim os 5 anos de Sarkozy.

Outro ponto que acho interessante (e um pouco assustador no meu ponto de vista) é que praticamente ninguém - fora Eva Joly - disse que apoiaria Hollande no segundo turno: todos disseram que serão contra Sarkozy e farão tudo para retirá-lo do poder. O que pode parecer uma lógica ("já que não é Sarkozy, será Hollande"), acredito que esconda um descontentamento sobre o candidato socialista. Quer dizer que a pessoa que vai pro poder pelos próximos 5 anos não por quem ele é (ou suas idéias em geral), mas por eliminação. Fico imaginando se o segundo turno tivesse 3 candidatos e um deles fosse Marine, qual seria o futuro da França?

Enaldo Soares disse...

Eu concordo plenamente com o texto, mas queria destacar um ponto.

Eu não acredito que 20% do eleitorado francês seja racista ou radicalmente anti-imigrante, mas eu também entendo que o fundamentalismo islâmico (particularmente o sexismo e a homofobia) não são uma pura invenção da extrema-direita.

Muitos criticam os europeus e acham que a imigração é um preço (pequeno) pelo imperialismo, por séculos de colonização na África e na Ásia. Os europeus teriam que engolir isto.

Mas vamos imaginar que de um quarto a um terço dos habitantes do Brasil fossem estrangeiros, e parte deles com forte tradição anti-iluminista, será que seríamos tão braços abertos, tão gente-boa assim?

O crescimento da Frente Nacional o levou de um minúsculo grupo extremado a um partido político com legitimidade. Eu votaria em Hollande, mas o governo dele não vai poder simplesmente virar as costas para Le Pen.

Amanda disse...

Beth, tbm acho preocupante o FN no legislativo. E essa possível ligação com a UMP, heim? Quer dizer, não vai ser uma ligação porque duvido que Marine Le Pen aceite dividir o papel principal com alguém, mas sim o fim da UMP e sua fragmentação pra todos os lados, fortalecendo o FN. Aiai.

Enaldo, concordo totalmente contigo. Receber imigrantes é bonito na teoria, mas na prática é bem complicado, ainda mais de uma cultura tão diferente. Antes de ir pra França eu era totalmente pró-arabe, mas depois de ver a realidade de lá mudei de ideia, até mesmo no caso de Israel (que eu era totalmente contra). O PS vai ficar numa posição dificil, pois não vai poder ignorar as reivindicações da extrema-direita.

Helena disse...

Uma das coisas que a Marine reforçou é que quer passar a ser a direita de verdade da França, então, uma queda do Sarkozy e do UMP daria o espaço que o FN precisa para se afirmar ainda mais. De qualquer jeito, me parece que o UMP está em crise e que as forças partidárias vão se reordenar depois dessas eleições. Só não concordo que o voto do FN seja um voto de protesto, acho mesmo que as ideias de Le Pen estão se tornando mais palpáveis para parte da população... o que assusta.

Pierre disse...

Olá

Eu queria por algumas precisoes sobre o que está escrito no seu artigo.

O partido da esquera ja esteve no comando da Franca e isso durante 14 anos. Nao foi um succeso, pois, depois a Franca se tornou para o partido da direita( Francois miterrand /Jacques Chirac) : http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois_Mitterrand

Eu quero dizer que a esquerda e tbm a direita ja tiveram a oportunidade de mudar a queda da França desde O Geral De Gaulle que foi o último grande presidente da França, então por que nao dar uma chance para outro partido ?

Eu li, em mais de um site, “vamos colocar Mélenchon no comando”.Eu espero mesmo que seja uma piadia, pois ele faz seu discurso na praça Stalingrad de Paris, ele é um admirador do Stalin, sim o comunista que foi tão doido quanto Hitler/Mussolini/Franco e tudos esses monstros da humanidade.
Ele também ja falou em algumas ocasões que Cuba não é uma ditadura, ou outras coisas dessas ...
Ele é um revolucionista que quer so trazer piores coisas que esse mundo já passou, obrigado Deus para poupar a França desse homem.

Depois, Poutou, um homem, porém, o quanto carismatica, mas por favor, ele conhece tanto a economia/immigração/ecologia/politica/relaçoes internacionais ... que meu gatinho. É preciso saber também que o partido dele pulou de 4% em 2007 para 1 % hoje ...

Vamos falar agora de Marine Le pen. Posso saber porque você tem tanto medo dela ? Porque talvez algumas/muitas pessoas da França assimilam o partido dela aquele do Hitler. Uma grande mentira.
Ela só quer proteger a França e ter quase a mesma politica que esta applicado no Bresil, e aqui ninguém assimila nada com Hitler. Ela quer fechar a França e proteger daquela desgraca da UE e do euro que esta fazendo cair todo mundo et todo País.
Eu sou Francês que morava na França antes de mudar para o Brasil, e tem que ver isso na França para entender. A França esta se fazendo colonizar no seu proprio País, os Franceses tem muito medo dos estangeiros. A comida esta sendo trocando para aquela da África do Norte, a religião também, e tudo mundo tem que aceitar isso porque a França é o pais dos direitos humanos ?

Amanda eu concordo plenamente contigo, pois tudo que voce diz é verade.

O único regreto que eu tenho é sobre o mais importante, a ecologia. Ninguém liga para isso menos uma pessoa muito antipatica, a pessoa de Eva Joly que só quer contrar Sarkozy e apoiar Hollande para ir ao miniesterio, triste ... A França tinha um ótimo representante da ecologia, Nicolas Hulot, mas por razoes que eu não sei, ele não se appresentou.

O que vai accontecer é o seguinte :
Hollande vai ser presidente, e Marine Lepen vai ter mais poder pois vai ter mais cadeiras.
A França vai ver que mais uma vez, o partido da esquerda nao vai adiantar nada com essa crise, então em 5 anos eles vão se cansar e ai vai ter uma mudança muito grande, E Marine Lepen com o outro candidato Nicolas Dupont vão se unificar e criar uma direita de verdade ( não como aquela de Sarkozy que foi uma direita esquerda, graças a Carla Bruni)

Eu tbm estou me perguntando sobre o futuro dessa Europa porque tudo mundo sabe que a França e a Alemanha que estão no comando dela. Merckel odeia Hollande, A ingleterra tem uma opinão muito ruim também sobre ele ( artigo de the economist ), Eu não vejo a hora de ver o Futuro da França em uma Europa que vai rejetá-la, um cumulo né, ao invés de sair da Europa para se aliviar, e ela que vai rejetar a França.

E talvez, se Deus quiser, a França poderia chegar até o fim desse longa corrida da tristeza que e possivel ver em todos os olhos dos Franceses que amam esse País, não porque esse país assista você mas porque eles tem saudade da França com uma forte cultura e identitade, da França do passado tão glorioso ....

Pierre

Amanda disse...

Helena, acho que o Front National não tem muitas chances sozinho, só se mudar muito. Agora se a UMP e o FN se desmancharem e criarem um novo partido, aí sim o calo aperta.

Pierre, pois é, por que temos tanto medo do FN? Acho que na verdade é uma coisa mais simbólica, sabe. Extrema-direita, aquela coisa toda. Porque na verdade o governo de Sarkozy já fez bem mais que o FN faria se estivesse no poder. Aliás, fez até o que o FN não faria, como privatizar a educação. Enfim, acho que vou escrever um post sobre isso.

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