terça-feira, 12 de outubro de 2010

12 de outubro, feriado na França?

A politica brasileira pode estar pegando fogo nesse momento, mas a politica francesa não esta muito atras não. Hoje não é feriado na França, mas o pais esta semi-parado por conta da quarta greve geral em pouco mais de um mês, contra a reforma das aposentadorias. Desta vez a greve é recondutiva, ou seja, toda noite havera uma votação nos sindicatos para decidir se a paralização continua ou não, e tudo indica que ela deve durar bastante.

O motivo de tanta insatisfação é a reforma da previdência, que entre outras medidas aumenta de 60 para 62 anos a idade minima para se aposentar (homens e mulheres), isso se o contribuinte trabalhar por pelo menos 40 anos e meio (41 a partir de 2012). Mas o problema é que essa é apenas a ponta do iceberg, ja que com a reforma, os cofres publicos suportarão até 2018, depois disso o sistema quebra outra vez. Ou seja, esse é apenas o inicio de uma reforma gradual. Com certeza ela não para por aqui e especialistas falam em subir a idade minima para 67 anos.

Eh preciso entender que a aposentadoria é uma religião na França. Ja disse aqui algumas vezes que os franceses tipicos vivem pensando no dia em que serão finalmente salvos pela aposentadoria e ai sim, poderão curtir a vida como bem entenderem. Quando eu viajo, todas as vezes que encontro um casal de mais de 60 anos fazendo mochilão, eu ja sei: são franceses. Parece que é so depois de cumprir com todas as obrigações que a sociedade lhes impõe que eles se sentem livres para serem felizes de verdade. Tenho muitos amigos franceses cujos pais se aposentaram, foram morar em algum pais tropical e finalmente descobriram o real prazer de viver. Por isso, antes de entender o peso da reforma da previdência na França, temos que entender o que a aposentadoria significa para os franceses: liberdade.

E quem é o doido querendo brincar com a liberdade dos franceses? O petit Nicolas, claro, que esta vendo sua popularidade despencar a 31%, a pior avaliação desde que chegou ao poder ha três anos. O governo se diz irredutivel e adota uma postura tranquila em relação às greves, dando declarações a torto e a direito de que é claro que eles estavam esperando esse tipo de reação, que manifestar faz parte da tradição francesa, que tudo foi friamente calculado desde o inicio. Mas dizem as mas linguas que o governo esta é se roendo de medo. Eles estão aflitos por dois motivos principais. O primeiro é que, ao contrario do que é de costume, não ha conflitos internos na oposição quanto a esse assunto. Todo mundo é contra e pronto. Não ha brigas, não ha discussões, não ha egos feridos, não ha trotskistas de um lado e marxistas de outro se odiando mortalemente  - parece que a esquerda finalmente achou uma boa razão para se unir. 

A segunda razão é a participação dos jovens nas manifestações, e os Sarkozistas não contavam com isso. Afinal de contas, por que a meninada de 17 anos se preocuparia e pior, se mobilizaria, com algo que so vai acontecer para eles daqui ha 50 anos? Pois eles se preocupam sim, ja aprenderam direitinho com os mais velhos que com aposentadoria não se brinca. E mais: eles estão raciocinando e percebendo que se todo mundo trabalhar dois anos extra, ou mesmo mais, dependendo do rumo que a reforma tomar, vai ficar mais e mais dificil abrirem novos postos de trabalho, o desemprego vai aumentar e são os jovens que vão sofrer mais com isso. Portanto, a reforma da previdência atinge diretamente os jovens sim e eles ja perceberam isso, para desespero do governo. Ontem vi uma ministra apelando na televisão, dizendo que era um absurdo os estudantes faltarem aula pra manifestar, que os adultos que autorizam e incentivam seus filhos a irem às ruas são completos irresponsaveis. Fora que, segundo ela, é um protesto perigosissimo, a integridade fisica dos nossos jovens estão em jogo!

As manifestações estão apenas começando, ja que são 15h, mas o ministério do interior ja admitiu que a mobilização de hoje é maior que as anteriores. Estima-se 500 mil manifestantes em toda a França, de acordo com o governo que, sabe-se, diminui os numeros. E o curioso é que mesmo nas cidades pequenas ha protestos. Em cidadezinhas de 30 mil habitantes, calcula-se 5 mil manifestantes, um sexto de toda a população. Neste mapa do Le Monde podemos acompanhar a evolução dos protestos.

As consequências dessa unânime mobilização (70% das pessoas são a favor) podem ser graves. Oito das doze refinarias francesas estão em greve ha mais de duas semanas e especula-se que até o fim da semana pode faltar gasolina nos postos. Muitas empresas de transporte ja estão impedidas de circular por falta de combustivel e se a crise atingir os consumidores em plena greve de transportes publicos, Sarkozy vai ter o que temer. 

As analises de similaridades da situação presente com maio de 68 ja começaram a pipocar. Em maio de 68 também faltou gasolina. Em maio de 68 o desemprego também estava alto. Em maio de 68 o povo também estava se sentindo traido e roubado. Na TV comparam duas entrevistas de lideres estudantis, uma de hoje de manhã e outra de 68 nas quais os meninos falavam exatamente a mesma coisa. Os mesmos argumentos, a mesma furia, o mesmo sentimento de injustiça, as mesmas frases. Todo mundo sabe bem o que aconteceu naquela época e ha quem diga que atualmente a França reune ainda mais condições para que uma revolta generalizada daquela amplitude aconteça.

Pra quem não sabe, o Sarkozy manifestou contra as manifestações de maio 68 que sacudiram a França e hoje são consideradas um dos patamares da politica social francesa. Uma pena que não encontrei o video.

10 comentários:

Luna disse...

Caraca!

A França está vivendo novamente o aroma do ano 68?
Eu não seria tão contra essa medida, mas eu não entendo muito disso. E entendo que os franceses são contra, claro, porque eles consideram a aposentadoria super importante. E se há essa cultura lá, tem toda a razão de protestarem.

Mas não há outras medidas para salvar os cofres públicos em pauta? Só há essa?
Que situação tensa! E que besteira que essa mulher falou. Como assim é irresponsabilidade participar de protestos? Imagina! Irresponsabilidade é dar de costas para o que os políticos fazem do seu país, como faz grande parte dos cidadãos brasileiros. ISSO é irresponsabilidade: votar por brincadeira e nunca tomar atitudes para protestar.

E é admirável que eles tenham conseguido se unir desse jeito. Eu vivo sonhando com uma união de mulheres ou de gays desse jeito: forte, sem conflitos internos, prontos para o que der e vier. Tenho certeza que nossos direitos ou os direitos dos gays seriam alcançados com maior facilidade no Brasil...

Rita disse...

Amanda, uau. Como diria uma amiga tuiteira: o bagulho é tenso, hein?

Por aqui, estou bem estressada, às vezes bem desanimada e cada dia mais abismada. :-O

Beijocas
Rita

Amanda disse...

Oi Luna! Então o ambiente é o de antes da revolução, so a parte ruim: desemprego, um governo que so faz merda, desesperança... Agora resta saber o que os jovens querem fazer com isso. Eles têm a faca e o queijo na mão.

Mas depois que li seu comentario lembrei que em 68 tinha algo que falta agora: o componente cultural. Antes, a revolução era culturam também, com musica, arte, transgressão.

Rita, tbm estou super estressada com essa eleição! Mas to tentando desviar um pouco a atençao, senão não sobrevivo até dia 31!

disse...

A coisa ta' mesmo feia por aqui... Admiro muito essa caracteristica dos franceses de reclamar, ir para as ruas lutar pelos seus direitos, acho que muita coisa seria diferente no Brasil se fossemos assim também.

Porém desta vez não vejo muita discussão em torno de contra-propostas para enfrentar o problema... O problema é real e não esta' num futuro tão distante assim.

Helena disse...

Oi Amanda! Ando acompanhando um pouco a situação por aí e adorando todas essas manifestações contra a reforma. Afinal, daqui a pouco, as pessoas terão de trabalhar toda a vida, se a coisa continuar desse jeito. Mas também, as pessoas estão vivendo mais... e me pergunto há outras alterativas concretas para o déficit da previdência?

Esses dias, conversando com o maridón, ele me conta que o trabalho na França é muito diferente daqui no Brasil. Aí, segundo ele, há muita, muita pressão no trabalho e muitas vezes o ambiente é pesado, com muita concorrência. Aqui a coisa, pra ele, é mais leve. Talvez por isso essa grande valorização dos franceses pela aposentadoria. É bem como tu disse: é o momento da liberdade.

Bisous

disse...

Helena, o seu marido é francês? Olha, talvez dependa muito da area em que ele trabalhava aqui na França, mas eu discordo totalmente com o que vc falou. Eu e o meu marido somos brasileiros e estamos na França ha' 5 anos. Trabalhamos na area de informatica desde que chegamos. E posso dizer que a minha vida profissional (e a dele também) nunca foi tao tranquila quanto na França! Muitas férias, mamatas, horarios muito tranquilos. Devo dizer que nunca trabalhei tao pouco na vida (bom, no meu caso, eu trabalho em consultoria para empresas publicas, entao o ritmo é ainda mais sossegado que o normal). Quando vc tem um emprego tipo CDI, é praticamente pra vida toda. Nao conheço nenhuma pessoa que ja' foi demitida na França. A minha empresa, grande consultoria em informatica, nao demite ninguem. Quando precisa demitir, eles fazem plano de demissao voluntaria. Aqui os sindicatos sao fortissimos.

Ja' no Brasil... trabalhavamos de fim de semana, de madrugada (sem hora extra). Eu tinha que implorar férias pro chefe e mesmo assim sempre tinha o risco dele cancelar na ultima hora. Aqui isso nao acontece nunca. Pelo menos nunca vi acontecer.

Por outro lado, sinto falta do dinamismo brasileiro no trabalho. O meu sentimento é justamente o contrario do seu marido, eu acho que no Brasil é preciso ralar muito mais para se sobressair, senao: RUA! Mas isso leva a gente a ser mais criativo, mais dinamico e por consequencia, mais competente. Gosto da minha tranquilidade aqui, mas no Brasil a minha evoluçao profissional era muito mais rapida. Aqui é tudo muito lento e burocratico...

Depois me conta em que area o seu marido trabalhava aqui.

Aline Mariane disse...

ois!
Na verdade, Helena e Dé falam a mesma coisa: a relação do francês com seu trabalho é diferente. Como é com as férias de verão e com a aposentadoria.
Nossa, brigada Amanda e meninas. Sabem que não tinha refletido sobre isso?! Ficava pensando mas é óbvio que tem que reformar, analisando friamente de fora...
Agora, algo que não me convence (nem a mim, nem a nenhum economista) é dizer que aposentadoria mais cedo dá emprego à jovens. Definitivamente, o mercado de trabalho é diferente para essas faixas etárias, ainda mais para o jovem francês super-diplomado de atualmente...

PS: eee, posso usar meu nome-link!

Helena disse...

Oi Dé, ele é francês e também trabalha em computação, mas na área de sistemas para transporte ferroviário. Acho que as experiências de cada um podem variar muito, conforme a área, a empresa. O que ele me conta da França é mais ou menos o que tu relatou do Brasil :) Ele disse que tinha prazos fechadíssimos, muita pressão, pouca solidariedade dos colegas. Mas que tudo isso de uma certa forma era bom, porque ele produzia com criatividade e sentia bem-estar em ter um trabalho encerrado. Aqui ele vê colegas que trabalham pouco, que não se preocupam com os prazos, que não se investem em produzir algo bem feito... Já eu, não tenho a experiência de trabalho na França, mas no Brasil já senti na pele as duas coisas. Eu sou jornalista e por muitos anos trabalhei sofrendo nas redações, com pressão, esse clima de competição e superação. Agora, estou na área de projetos, na mesma empresa, e sinto o oposto.

Acho que a Aline e tu têm razão, a relação com o trabalho para os franceses é diferente da nossa. Uma das coisas que talvez ocorra, é que eles fiquem mais tempo em uma mesma empresa. Aqui, com certeza, é mais dinâmico. As pessoas trocam de emprego mais facilmente (pelo menos atualmente, com o mercado mais aquecido). E as diferenças não devem parar por aí.

Bom trocar ideias e experiências com vocês! :D

Helena disse...

Fiquei pensando no caminho do trabalho pra casa que a relação do brasileiro com a aposentadoria também pode ser bem diferente da do francês. Generalizando muito, mas pode ser que aqui a aposentadoria não tenha tanto essa carga de "liberdade" e esteja mais para uma duvida, tipo, "putz, o que eu vou fazer depois de me aposentar?", e que por isso muita gente continua trabalhando depois, ou que talvez as pessoas fazem o que gostam ao longo da vida, sem esperar estar aposentado pra isso. Sei la, são apenas ideias vagas, ja quase fugindo do tema do post ;)

Anônimo disse...

O papo ta bom por aqui! Eu tbm acho que as relações de trabalho e aposentadoria são completamente difirente nos dois paises. Acho que esse dilema de "quem trabalha mais" depende muito do tipo de trabalho. Por exemplo, os empregos que pagam um salario minimo, como garçons ou caixas de supermercado, na França tendem a ser mais puxados, pq o salario minimo é bem maior e a empresa contrata o minimo possivel de funcionarios, enquanto no Brasil tem um batalhao pra te servir.

Concordo tbm que na França o emprego é muito mais estavel. Uma francesa me contou que quando ela criança uma professora disse pra turma que provavelmente eles teriam varios empregos diferentes ao longo da vida, não um para toda a vida e a turma dela ficou chocada, teve quase reclamação na escola, hahahaa!

Aline, mas pq vc acha que a aposentadoria mais cedo não da emprego aos jovens? Medicos, advogados, enfermeiros, professores, engenheiros todas essas são profissões que não envelhecem e tiram vagas de jovens.

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