terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poder sobre os desesperados: o sonho da elite conservadora que esta escorrendo pelas mãos

Ontem ouvi um dialogo na televisão francesa que me chocou profundamente. Uma mulher que trabalha numa agência de empregos estava falando como o sistema que liga as empresas aos desempregados precisa ser dinamizado. Ela explicava que às vezes era obrigada a exigir um processo longo e trabalhoso, geralmente bem longe da residência do desempregado, para um trabalho de apenas dois dias. Disse que a pessoa desiste, que não quer se colocar nessa situação de merda por causa de dois dias de trabalho. Ai um jornalista, Eric Zemmour, conhecido por suas posições racistas e conservadores, respondeu indignado: "Isso é um absurdo, isso é so porque eles têm allocation familiales (tipo um bolsa-familia francês, com a diferença que o montante é maior)". A moça disse que sinceramente, ela achava que nem se eles não tivessem, iriam. E o cara, do alto da sua arrogância, alegou que "Se eles estivessem passando fome, iriam" (s'ils crevaient de faim). 

O mais triste é pensar que se na França esse tipo de frase desumana merece destaque na televisão, no Brasil ela é senso-comum, passa completamente despercebida e aposto que tem muita gente que até agora não viu nada de chocante na afirmação do cara.Quantas pessoas ja não ouvi reclamando na internet do bolsa-familia, que agora ta dificil arranjar empregada porque ela prefere receber 100 euros do governo do que um salario de 300 pra trabalhar como escrava. O argumento é o mesmo do cara da TV: é melhor que eles estejam morrendo de fome mesmo, porque ai vão fazer qualquer coisa para a gente. Eh muito bom quando a pessoa ja não tem mais dignidade, esta desesperada, pois ela aceita trabalhar por comida e roupa velha. A gente da uns trocados e ela vira nossa escrava. O bolsa-familia devolveu o poder de decisão de gente tão humilhada, devolveu o respeito perdido, devolveu a dignidade.

Eh por isso que eu não admito que falem mal do bolsa-familia. E é por isso que eu tenho um grande problema em respeitar alguém de direita, porque simplesmente acho inadimissivel que discordem de um programa tão justo e humano. Podem me chamar de radical, de intolerante, mas a verdade é que eu quero distância de pessoas que vêm cheias de ironia e falam "E ai, ta feliz com a eleição? Agora vamos continuar sustentando os pobres". E falam isso sem tomar o menor conhecimento de causa, sem ter ideia que além de salvar a vida de muita gente, esse dinheiro movimenta a economia local, gera empregos, diminui a migração interna, diminui a violência e vai até mesmo evitar essa pessoa preconceituosa e alienada de ter seu celular de ultima geração roubado.

Eric Zemmour por acaso acha que se tiver gente passando fome na França todos vão se sacrificar para trabalhar dois dias num emprego de merda ou sera que alguns deles vão se revoltar com a situação e começar uma onda de violência? Porra, a coisa é tão simples que me da sono tentando explicar a essas pessoas que ajudar o proximo é ajudar a si mesmo. Vou mandar esse cara dar uma voltinha no pais dos sonhos dele, o Brasil (ainda!), pra ele ver qual o resultado da politica que gostaria de implantar.

8 comentários:

Patrick disse...

Com o agravante de que a carga tributária no Brasil é mais pesada para quem é mais pobre (dados do IPEA). Escrevi isso no meu blogue: Carga tributária segundo a renda familiar (48,9% para quem ganha até 2 salários mínimos; 26,3% para quem ganha mais de 30 salários mínimos).

Cris Chagas disse...

É amiga, e a coisa aqui está literalmente pegando fogo (não sei se vc tem visto). Infelizmente, o povo brasileiro não foi educado nem mesmo alimentado como o povo francês e quem tem se revoltado são os traficantes, com a diminuição do seu mercado/ campo de atuação. Enquanto a população fica reclamando baixinho no interior das suas casas.

Ontem, o Rapha (meu marido) foi a uma entrevista para um trabalho temporário. Ele disse que tinha gente vindo da baixada, de Campos, etc. O pagamento nem era dos piores, mas era pra menos de um mês e nem tinha a certeza de ser aprovado. Sem falar dos custo com passagem, almoço... Bem, tinha mais um monte de detalhezinhos sórdidos nessa história, mas resumindo, acabamos comentando isso que vc diz. Parece que o que eles querem mesmo é que vc esteja disposto a esquecer a sua dignidade.

Luciana Nepomuceno disse...

Amanda, eu já falei o quanto me sinto identificada com tuas palavras sempre que venho aqui? Não que eu tenha nem perto da tua clareza na escrita, do teu bom senso na argumentação, da tua inteligência na estruturação do texto...mas me identifico com os sentimentos que mobilizam o discurso. A Rita pergunta nesse post lindo o que é que faz a gente feliz e eu tô com vontade de responder só assim: gente me faz feliz. Mas gente, também, é o que mais me machuca, ver (e ouvir) tantas pessoas que não vêem os demais como pessoas, que olham o mundo e a vida de um ponto de vista estático e - arrisco - insensível. Mas sempre tem o teu blog pra colocar as coisas em seus devidos lugares...Beijos contentes de te ler...

Mari disse...

Ouvi falar do livro primeiro, li uma resenha numa revista e fiquei com muita vontade de ler!
Ja sobre o bolsa familia, sinceramente Amanda, tem muita gente na esquerda que discorda da politica do bolsa familia. Primeiro porque ele é paliativo. Para haver real possibilidade de crescimento e estabilidade ecônomica para o povo brasileiro a educação publica tem que continuar gratuita (até a faculdade pelo menos) mas além disso ela tem que ser de qualidade, o que não é o caso. Segundo, o bolsa familia não deveria ser um programa, ele deveria ser uma entidade perene, permanente, como é a Caf na França. Vc ja imaginou o que aconteceria se um presidente francês se metesse à tentar acabar com a caf? Agora, com o bolsa familia, qualquer presidente brasileiro pode mexer, basta ser eleito (vendo o Tiririca a gente percebe como o eleitorado brasileiro tem senso critico!). Não é o principio do bolsa familia que coloca-se em questão (quando é a propria esquerda criticando) mas a forma com que ele é aplicado, como um programa instavel, que depende da permanência do pt no poder... e ae vem mais um monte de argumentos para critica-lo deste lado. na minha opinião, o bolsa familia so sera bom se for o começo de uma grande revolução na forma como o estado gere o que lhe cabe. Mas sinceramente, do jeito que a coisa vai, o programa esta apenas deixando quem é necessitado dependente eternamente do programa pois não ha saida para fora dele. O garoto da favela que fez escola publica continua tendo bem poucas chances de se tornar médico, mesmo que a familia dele esteja comendo melhor. resumindo, se o bolsa familia for um meio,ok, mas ele não deve ser um fim. "A gente não quer so comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente quer inteiro e não pela metade."

Amanda disse...

Patrick, sério isso? Nunca tinha ouvido falar, sempre achei que os ricos pagassem mais, como isso não é um escândalo nos jornais?? E vc ainda comparou com os EUA, que não são nenhum exemplo de distribuição de renda, imagina se comparasse com a Europa?!

Cris, tenho acompanhado bem levemente essa onda de queima de carros ai no Rio, sera que eles aprenderam com os franceses? :) Bom, mas acho que todo mundo estava esperando por isso, não? Eh até um incentivo para o governo, ja que eles estão mostrando que estão sendo incomodados.

Broboleta, vc é uma fofa!! Gente me faz feliz tbm, por isso escolho me afastar daquelas que não me fazem! :)

Mariana, concordo plenamente que o programa deveria se tornar permanente. Mas no Brasil tudo parece tão fragil que até quando o candidato à presidência eleito não é o favorito da elite, o burburinho de "golpe", "revolução" começa a rondar. Olha como nossa democracia é fragil! Imagina um programa desses. Quanto à educação tbm estou de acordo. Não entendo pq ela não foi uma prioridade no governo Lula e espero que seja no governo Dilma. Tudo bem que ninguém aprende de barriga vazia, coisa e tal, mas se o Lula fez tanto pelo ensino superior, poderia ter feito pelo ensino basico tbm, né?

Patrick disse...

Amanda, há mais notícias que os jornais não publicam (ou o fazem tão discretamente que ninguém fica sabendo): A melhor notícia do ano: o fim parcial da DRU é um texto que publiquei em meu blogue (perdoem-me pela autopropaganda), há um ano (nov/2009) e responde ao questionamento de Mariana sobre a necessidade de recursos para educação.

Amanda disse...

é, a coisa por aqui está terrivelmente feia. comentários como esses acontecem normalmente no Brasil. Há um preconceito danado (que se desenrolou há poucos dias no twitter, por exemplo) com quem é nordestino e/ou ganha bolsa família. ai ai, as vezes estar no brasil me entristece muito.

Renato Vieira disse...

Concordo plenamente com suas palavras! Aliás, muitas dessas pessoas não vêem problemas quando o governo faz intervenções para "salvar" bancos e grandes corporações mas quando o governo estende a mão para ajudar, mesmo que de maneira rasa, uma família a ter o mínimo de dignidade aí é um absurdo, é compra de voto e etc. É claro que um governo sério deve trabalhar constantemente para que essa "dependência" diminua cada vez mais mas esse é um trabalho de longo prazo e quem tem fome não espera... Escrevi sobre isso no meu blog... Quando puder dá uma olhada! http://renatovieira87.blogspot.com/2011/03/delito-de-opiniao.html
Ah, outra coisa legal é saber que um programa similar ao bolsa família existe na França... O pessoal aqui adoooora falar que tudo que eles consideram como "mazelas" são inventadas no Brasil ou só existem no Brasil! rsrsrs bjs
Bjs

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