sábado, 27 de novembro de 2010

O verdadeiro problema do Rio

Meu entusiasmo com uma possivel mudança no Rio diminuiu bastante. Tudo bem que nesse momento estamos todos precisando de um pouco de otimismo e esperança, mas acho que o caminho é muito mais longo do que a gente quer crer. Estou gostando de ver os cariocas unidos, apoiando a policia e certos de que dias melhores virão. Mas temos que assumir que mudanças reais estão ainda muito longe de acontecer. Porque, como sempre, o buraco é mais embaixo. A dura verdade é que o problema do Rio não é o trafico de drogas.

Podem prender todos os traficantes, podem acabar com trafico, podem até legalizar as drogas que a violência vai continuar. Esse é so um dos meios encontrados pelos bandidos para ganhar dinheiro. Se não tiver drogas tera assalto, sequestro, e sabe-se la o que mais. Nos ultimos anos temos ouvido muito dizer que a educação é a solução, que trabalhos sociais são indispensaveis, que escolinhas de esportes ajudam as crianças a se manterem longe de problemas. Eh verdade que todas essas coisas são indispensaveis, mas sozinhas elas não se sustentam. Parece que com esse discurso a classe média quer lavar as mãos de qualquer responsabilidade, ja que educação é papel do governo. Fico surpresa que se fale tão pouco na real raiz do problema: a desigualdade social.

Enquanto houver tamanha disparidade entre os salarios, havera violência. Fiz uma pequena pesquisa pra comprovar essa teoria e vou expor aqui alguns dados. Pra começar, acho que todos sabem que o Brasil é um dos paises mais desiguais do mundo. A brilhante ideia dos militares de aumentar o bolo pra depois dividir não deu certo e até hoje sofremos as consequências. Não deu certo simplesmente porque ninguém nunca quer dividir. Pra se ter uma idéia, os 10% mais ricos do Brasil ganham em média 51 vezes mais que os 10% mais pobres. Esse numero é pior que o Peru (30 vezes), o México (25 vezes), a China (21 vezes). Entre os paises desenvolvidos, a comparação chega a ser humilhante: EUA (16 vezes), Portugal (15 vezes), França (9 vezes), Japão (4,5). Esse grafico sobre desigualdade que tirei da Wikipedia também nos ajuda a ter uma ideia do absurdo:


A violência esta muito mais ligada à desigualdade social do que à pobreza sozinha. Pessoas extremamente pobres convivendo com pessoas extremamente ricas se revoltam, sobretudo porque não ha quase nenhuma possibilidade de mudar de classe social, por mais que o capitalismo te queira convencer do contrario. O grafico abaixo que eu fiz mostra como desigualdade social e violência caminham lado a lado:

Desigualdade e violência em 21 paises:

A linha azul representa o coeficiente de Gini, um calculo que mede a desigualdade; a linha vermelha mostra a taxa de homicidios por 100 habitantes; e a linha pontilhada verde representa a porcentagem da população abaixo da linha de pobreza de cada pais. Os numeros foram transformados em uma escala de 0 a 1 para facilitar a comparação de indices diferentes. Vemos claramente que a violência tem relação direta com a desigualdade social e que a pobreza interfere pouco. E podemos perceber também que mesmo se o Brasil diminuir pela metade seus homicidios, ainda assim estara muito longe da média entre os paises desenvolvidos.

Acabar com o trafico nas favelas tem que ser apenas o inicio de uma politica conjunta entre todas as esferas do poder e da sociedade. Parece que os responsaveis pela segurança publica estão fazendo um bom trabalho prendendo os bandidos, mas apenas isso não é suficiente. A repressão sozinha nunca foi a solução pra nada. Teria que entrar sim a educação, os projetos sociais, mas acima de tudo a sociedade tem que estar disposta a dividir o bolo. Chegou a hora. Não da pra querer paz sem abrir mão de alguns privilégios. Não é na base da porrada que o problema da violência vai acabar, é na base da justiça - ela é unica via duravel. Não adianta nada o exército, a marinha e a aeronautica invadirem as favelas, se os pobres continuam pobres. Outros marginais vão surgir, se não com o trafico de drogas, com outra coisa.

Dividir o bolo é dificil porque todo mundo se acha pobre, ja que todos se nivelam para cima, nunca para baixo, se comparando com aquele tio rico ou com o vizinho bem de vida. Mas nos, classe média, precisamos sair da bolha que vivemos e assumirmos que somos a elite do Brasil e que não adianta nada continuarmos nos comparando com milionarios se a maioria da população vive na miséria.

 E ai, você esta disposto a dividir seu pedaço?

18 comentários:

Rita disse...

Nossa, Amanda, que post excelente. Falou tudo. Ou quase, que sempre tem mais, né, hehe.

Ainda essa semana conversei com amigas sobre como a desigualdade no Brasil é tão absurda que a gente ainda pode se dar a certos luxo impensáveis em outros países onde a divisão é menos cruel. Mas a gente segue reclamando e acreditando que nosso problemas são incontornáveis... nossos problemas de classe privilegiadérrima que reclama dos impostos que paga. Seu texto põe o dedo na ferida e taí um missão boa pra todos nós: vamos brincar de lutar para que o país divida de verdade o grande bolo? Vamos abrir mãos de privilégios para que pessoas possam morar melhor, estudar, ter acesso a serviços e empregos?

(Mas continua valendo o que falei no outro post, tá?)

Bj
Rita

Gregorio disse...

Está desigualdade social é uma construção histórica do Brasil. Porém acho que ela faça parte do próprio sistema capitalista, de exclusão da massa para redução de salários e precarização do trabalho.
A pobreza é um dos resultados deste processo produtivo imposto pelo capital, onde os excluídos são culpados por não terem educação visto que o capital oferece, "eles que não quiseram ter". Isto traz várias conseqüências dentre elas a pobreza e o desejo desta massa excluída de possuir os bens, assim surge a violência para tê-los.(parece uma equação mas não é só isto, é claro)
Gostei dos índices não sabia que era assim. Surpreso com o EUA onde o sistema é mais forte.
Gostei muito! Parabéns!!! Estou començando a ler todos post.

Bjs
Gregorio

Luciana Nepomuceno disse...

Amanda,
admirável e bem colocado. "Chegou a hora. Não da pra querer paz sem abrir mão de alguns privilégios." É exatamente isso. Eu, professora universitária, tenho exata noção dos meus privilégios. Eu não olho pra cima (onde há tantos que tem tanto do que eu queria) mas pra baixo onde há muitos que não tem nem perto do que eu posso. E dói. E faço o que posso. Mas ainda é pouco. A desigualdade nos humilha e mostra nossa crueldade. Uma reflexão incrível e pertinente, de novo, parabéns.

disse...

Oi Amanda, tô meio sumida, mas não estou perdendo nada! Também tenho parentes no Rio. Morei na Ilha do Governador até os meus 14 anos. Não sei como esta' a situação por la', mas vou falar com a minha prima hoje...

Otima reflexao, é isso mesmo que acontece mesmo. Mas as vezes eu fico pensando por que outros paises com desigualdades ainda maiores não tem tanta violencia como no Brasil? Por exemplo, a India. Quando fui para o Marrocos também fiquei impressionada com a miséria, mas não sofremos nenhum tipo de violencia. Sera' que a religiao nesses paises tem alguma relação?

Amanda disse...

Rita, eu ja estou mais que disposta a abrir mão dos meus privilégios! Torço para o salario minimo triplicar e os ricos pagarem mais impostos, mas o governo também tem que acabar com a corrupçao dentro dele. Temos que ter confiança de que nosso dinheiro esta sendo bem investido tbm, né? Mas acho que estamos no caminho certo!

Greg, adorei vc por aqui! A desigualdade é historica sim, mas muitos outros paises tbm tinham desigualdade elevada e conseguiram melhor muito. Veja no primiero grafico a França! A colonização não pode mais ser desculpa para nosso subdesenvolvimento. Os EUA estão bem melhor que o Brasil com certeza, mas ainda estão longe da Europa! Apareça mais! Beijo!

Amanda disse...

Borboleta Luciana, não sabia que vc era professora universitaria! Deve ser uma profissão que te joga na cara seus privilégios mesmo, não é como trabalhar numa empresa, cercado de colegas exatamente como você e tal.

Dé, então, a India tem uma desigualdade social bem baixa, apesar da pobreza extrema. Da pra ver no segundo grafico. E foi isso que eu falei no texto: pobreza e desigualdade são diferentes, a desigualdade interfere na violência bem mais que a pobreza. Mas com certeza existem outros fatores que interferem na violência e a religião é um deles.

Beijos!!

Bel Butcher disse...

Excelente, Amanda. Estou contigo e não abro. É preciso mudar e acho que estamos (apesar de lentamente) no caminho certo (ou no menos errado). Os governos Lula ajudaram a diminuir um pouco a miséria do país. Mas ainda falta muuuito para diminuirmos a desigualdade.

Acho também que a violência só diminuirá quando fizerem uma grande reforma nas polícias. Prender os policiais corruptos e marginais, aumentar os salários, dar boas condições de trabalhos para eles, etc.

Mas isso já é uma outra história, uma outra batalha.

Cris Chagas disse...

Sabe o q é mais "engraçado" nisso tudo?

O que no Brasil são bens de consumo super penosos de se conseguir, "coisa de elite", nos países desenvolvidos, com menor desigualdade social e maior poder de compra, qualquer trabalhador consegue adquirir.

Um carro, uma casa, uma boa viagem de férias, etc Para conseguir, só basta trabalhar. Eu fiquei impressionada como, da mesma forma que temos uma classe de ricos extravagantes, que têm mais do que precisam e deveriam ter. Ao mesmo tempo, o que a classe média se mata para ter, na Europa (em Portugal, que talvez nem seja o melhor exemplo) qualquer um pode ter.

Então, se você permite que o outro tenha, talvez nem seja necessário “deixar de ter”. A questão aqui às vezes me parece bem mais cruel. Muita gente acredita que o outro não deve ter mesmo! Ainda hoje ouço coisas como: “Filho de podre tem que trabalhar, não estudar.” “Pobre tem mesmo que andar de ônibus.” “Agora qualquer um tem computador e celular.”

Além do absurdo da discriminação é a maior burrice. A nossa economia (e sociedade) não anda, não cresce, e fica ruim pra todo mundo!

Cris Chagas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aline Mariane disse...

uau, obrigada pelos dois ótimos textos! Como está na mídia, todo mundo aqui me pergunta sobre o Rio. E eu não sei responder. Como se fosse longe de Sampa... =o/ Agora tenho alguns bons argumentos!
Bjss!

Amanda disse...

Obrigada Bel! Tbm acho que estamos no caminho certo e que a Dilma vai dar mais alguns passos na boa direçao. A corrupcao ainda é o maior problema burocratico que precisa ser resolvido, mas precisa de pessoas honestas dentro do sistema. Nao quer se candidatar a vereadora nao? Eu voto em voce!

Cris, pior que é! Lembro logo daquele boçal do Prastes repetindo indignado "agora qualquer miserrrrrravel tem carrrrrro!". Isso é assumir que prefere as coisas como estao, afinal de contas é so aumentar o muro da casa e contratar mais uns dois seguranças por 400 reais. E depois sair dizendo por ai que so é pobre quem quer. Ai, essas coisas me revoltam, sabe? Principalmente pq conheço um monte de gente assim.

Aline, valeu!! Aqui tbm me perguntam e quando eu digo que minha familia mora no alemão fica todo mundo chocado. Mas e ai, quando vc vai trazer seu blog pra blogspot???

fatima_torres_franco@hotmail.com disse...

Amanda. Excelente análise. Depois de ler tudo com atenção (não é todo dia que a gente tem acesso a essas informações), me veio uma pergunta: se esses números e tabelas se referem à desigualdade social no Brasil, por que só no Rio de Janeiro a violência, e o consumo exagerado da droga chegaram a esse ponto? Há, no Rio, uma diferença maior entre as classes do que no nordeste, por exemplo?
No fundo, minha pergunta é: por que que meus vizinhos de vila, que tem exatamente o meu padrão de vida, precisam usar tanta cocaína a ponto de comprometer o oorçamento doméstico, enquanto outros igualmente proletários como eu conseguem passar longe da contravenção e do crime? Será que essa análise sócio-econômica não considera também os desvios de conduta?
Mesmo assim, adorei seu post.
Beijos suburbanos
Fátima

Amanda disse...

Oi Fatima, obrigada pelo comentario! Então, é um engano nosso pensar que a violência e o trafico de drogas é mais significante no Rio do que nas outras capitais. Olha esse ranking das capitais mais violentas feito em 2008 e publicado pelo jornal O Globo:

http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/01/29/o_ranking_das_capitais_brasileiras_com_maior_taxa_de_homicidios_por_100_mil_habitantes-339346604.asp

O Rio aparece em oitava posição! O grande campeão é Recife. Quanto ao consumo de drogas eu não achei nenhum estudo, mas imagino que não haja tanta diferença assim.

Beijos!

Gregorio disse...

Olá Amanda!
Sim concordo com vc. A colonização não pode ser mais desculpa para o subdesenvolvimento. Por isto, creio eu, estamos avançando. Só que 121 anos dominados pela burguesia conservadora fica mais difícil. Caminhamos com passos pequenos mas pelo menos caminhamos na minha visão.

O que vc achou da Tropa de Elite 3 em tempo real?rss

bjss

Menina no Sotão disse...

Quanto ao Rio não acho que o problema seja tão simples quanto andam pintando por aí: educação??? Só isso basta? Acho que não, mas também não acho que o problema seja apenas a desigualdade não. Acho que a questão está mais nos exemplos exibidos por aí hoje em dia. O garoto quer ser igual ao Adriano que perdeu-se em meio a montanha de dinheiro e vive deprimido. O traficante vive bem, é procurado, mas se dá no final das contas porque quando vai pra cadeia, nada acontece com ele. Comumente ouço adolescentes dizendo que só vai preso quem rouba pouco ou é burro o bastante pra ser pego.
O problema está relacionado mais a cultura que a educação e as difenças sociais.
Os vilões hoje são mais interessantes que os mocinhos. Os bad boys são as atrações do momento e daqui vão culpar as novelas da globo por isso também, afinal, por aqui tudo é culpa da globo. rs

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Túlio disse...

Concordo com um pouco de tudo que foi falado por aqui. Vejo alguns problemas históricos no Brasil:

Capitalismo às avessas: a meu ver, ao contrário do que disseram alguns, o sistema capitalista não se beneficia da extrema desigualdade social; por que? porque a sociedade capitalista depende, principalmente, do alto nível de consumo; se você aumenta a distância entre ricos e pobres, você diminui o poder de consumo destes e diminui também a riqueza daqueles; e por que no Brasil os grandes capitalistas não pensam assim? primeiro, são poucos e querem se manter como poucos; segundo, o Brasil teve uma evolução industrial diferente de países como os EUA – onde o trabalhador recebia um salário que lhe dava poder de compra; e países europeus, onde os trabalhadores tiveram uma organização sindical mais efetiva; etc.

O papel governamental: o governo deve suprir algumas necessidades básicas, conforme descrito na constituição brasileira; e por que não supre? Porque é um ciclo vicioso, pobres famintos, sem educação e sequer dignidade, votam sem dar o devido valor ao voto; elegem-se, portanto, vagabundos; esses, por desconhecerem a real necessidade do capitalismo e, por conhecerem suas fantasiosas necessidades, nunca farão algo para suprir as necessidades básicas do povo. Outra questão, menos falada, mas, de grande importância para a prática de políticas sociais governamentais: impostos. No Brasil, paga-se muito imposto e grande parcela da população exime-se, de forma desonesta, do Imposto de Renda; o imposto é o meio menos demagogo e mais prático para se conseguir uma melhor distribuição de renda; afinal, tirar o que é “nosso” parece sempre mais difícil e, convencer uma pessoa de aquilo que ela dá muito valor é supérfluo e vice-versa é, realmente, bem mais complicado.

O papel do cidadão: este foi muito abordado por aqui; temos que ser cidadãos na forma exata do significado do vocábulo; não temos que sofrer por ter conquistado algo, afinal, vivemos em mundo capitalista; devemos sim ter uma cabeça aberta para observar o bom momento de dividir; seja de forma simples, no dia-a-dia; seja quando nos tornarmos empresários ou milionários.

Minhas idéias ficaram meio/muito confusas porque estou com mta pressa... peço desculpas pelos erros e contradições, pois não tive tempo de reler o texto... foi só na inspiração mesmo...

Se der, depois continuo.

Anônimo disse...

Pois e realmente um programa maravilhoso ver o desfile de 20 de setembro em Piratini. Em 2007 eu fui pela primeira vez assisti-lo e fiquei emocionada, e um desfile muito lindo feito com alma por cada um daqueles gauchos que la vivem. Vale a pena.

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